sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Póspacto




Um dia devo ter feito alguma aposta com o demo e perdi, essa minha mania de achar que sempre vou ganhar às vezes me deixa na mão, e deixou.
E como todas as coisas ‘mito-lógicas’ substanciais se escondem por trás da ‘imemória’; esqueci.
Lembrei num espasmo inconsciente desses que baixam ou sobem até nosso entendimento por um cordão prata e lilás que posto tais cores de lado; é também nosso acesso intangível ao mundo dos Deuses constelados.
Foi numa paisagem árida que vi a mim mesma entregando à besta fera o último alforje de moedas para dizimar minhas pendências infernais.E entreguei para o dissabor da criatura nitidamente descrente da minha autocomiseração.
Ainda vai tentar por dados na mesa outra vez, iludir minhas mazelas com novas tentações, vai colocar o néctar e a Ambrósia numa bandeja de ouro e servir-me disfarçado de taverneiro caridoso no meu caminho de volta. Jamais me deixará em paz; desafia-lo uma vez é para seu cerne, pacto perpétuo. Não ligo...
Já sei ver suas marcas nas cerejeiras e nos grãos de areia, percebo sua ira no vento e tiro dela forças para tornar meus passos mais leves.
Levarei comigo a obrigatoriedade da observação dilatada, afio como espada, todos meus sentidos.
Só me resta dizer a meu imortal perseguidor:
-Obrigada.
"Bom seria que todos tivessem dois olhos vermelhos sempre a espreita..."

sábado, 1 de dezembro de 2007

Ponte Pencil

Existem dois penhascos altos
Separados por um rio
Une-os uma ponte pencil
Feita com tênue fio
Atravesso
Pois nesse momento cortante
Caminhar é tudo que posso
Economizo perigos, calada
Minha vista alcança
Minha espada que descansa
No verde vale do outro lado
Um vento gelado pergunta:
-Onde você quer estar?
Olho pra dentro de mim
E prossigo devagar
Sem saber se vou morrer
Ou chegar...


Como me perdi tanto? Como vim parar aqui?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Te Navego como a um Rio



Te navego como a um rio
Minha língua; uma jangada
Não há porto nem parada
Deslizo por teu rosto, misturando nossas águas
Sua boca uma cascata
Onde me atiro sem leme
E esse encontro faz tremer
Milhas e milhas abaixo.
Me encaixo.
As horas de tempestade
Te fazem aos poucos riacho
Nele, línguas serpentes se acham.
Sem pressa me afogo
No afago dessa torrente
Quente.
Teu pescoço uma ponte
Que percorro calmamente
Minha boca se dissolve
Em cada pegada molhada
Te beijo, te mordo, te aperto
Tentando engolir a explosão
Agora não!
Pelas ondas dos teus ombros, me assombro.
Incontroláveis gemidos caem como granizo
Gelando meu corpo inteiro
Mais!
No levante deste rio encontro enfim os teus seios
Tornados perfeitos
Me sugam, me destroem
Tonta, me entrego a eles
Os sugo, os destruo!
Língua, dentes, sussurros...
Sou deles
O tempo agora é ninguém
Mas tua Correnteza me leva
Além...
Na calmaria do teu ventre
Não sou mais eu
Estou ausente
Viro um ser de outro plano
Me embriago
Entre tuas pernas naufrago
Morta, me sinto mais viva...
Mordo, me sirvo, me salvo.
Te sinto, te sirvo, te caço
Te amo, te laço, te mato
Choro quando sinto teu gozo
Gozo quando ouço teu choro
Renasço...
E faço o caminho de volta
Sonhando com meu rio sinuoso
E seus inúmeros braços...





sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Meu Estribilho

Foi a terra que tremeu?
Não amor, fui eu!
O dia escureceu?
Não amor, fui eu...
O sol perdeu o brilho?
Não amor
O sol sem brilho
É só meu estribilho

Sol sem brilho
Sol sem brilho

A primavera desandou?
Não amor, meu inverno a matou.
O céu perdeu o azul?
Não, esse é o reflexo de minh’alma!
Mil matizes de cinza
Mil cinzas sem calma
Que giram como moscas
Sobre a carne putrefata
Da menina que mamou
Seu farto leite de fada
E morreu do veneno posto
Que sempre serve ao gosto
De quem pensa ser amada...

Um Vulto Teu





Dentro dos meus olhos
Habita um vulto teu
Embaçado pelo tempo
Impune
Ao esquecimento

Dentro dos meus olhos
Existe um livro teu;
Poesias, desenhos e prosas
Nele vejo e revejo
Histórias que foram nossas

Dentro dos meus olhos
Há uma lagoa em teu nome
Nela jazem afogadas lembranças
Pinturas borradas
Pela desesperança

Dentro dos meus olhos
Habita um vulto teu
Dos teus traços, uma escultura.
E a cegueira eterna
Que nasceu da falta tua
Dos abraços, noites, beijos...

Do nada que enxergo agora;
Somente a ti, vejo...


quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Internos Diários

O caldo quente que jorra
Do vesgo dos meus olhos
Neste lamento
Tu não vês agora,
Estão cá dentro.
Jorram ao contrário
Molhando minhas entranhas
E internos diários...

sábado, 15 de setembro de 2007

Passos



Quando nasci
Puseram fios em minhas mãos
Pés, cabeça, costas, boca
Vestiram-me com certa roupa
No palco dei os primeiros passos

Passos valentes, passos em falso...

Tantas vezes recebi aplausos
Quantas me quebrei inteira
Na queda direta
Seqüelas perpétuas
Do cadafalso

Passos valentes, passos em falso...

Um dia meus fios caíram
Percebi certa autonomia
Andava, falava e ainda caia...
O palco deixou de ser moradia
Ia e vinha...

Passos valentes, passos em falso...

Enfim conheci a morte
Senhora soturna, belíssimo porte
Aprendi que sou igual a você
Você também tem fios
Glórias, desafios...

Passos valentes, passos em falso...

A vida é o palco de gozo e horrores
Vaias, aplausos,
Cadafalsos, abraços.
O palco é a vida...
E a vida é feita de passos

Passos valentes, passos em falso...

Por isso jamais
Desmarque algum ato
Desse espetáculo;
Cavalo de carrossel
Boca de tubarão...

Passos valentes, passos em falso...
Que passarão...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Noturna

Eu plantei sementes de poesia
Virou árvore frondosa
Frutas de poemas
Flores de prosas

Lenhador veio e cortou
Frases se espalharam na terra
Algumas morreram sem seiva
Outras morreram por medo
A maioria na queda

Sobrou um grupo de letras
Desoladas pela dor
Justo as letras que estavam
Nas poesias de amor

Fizeram buraco na terra
Viraram raízes eternas

Hoje meus versos confusos
Habitam no fundo
Sempre noturno
Do inverso do mundo


sábado, 25 de agosto de 2007

Sina

Nasci assim, sangrando...
Prossegui rastejando
Mordendo dedos foi como cresci
Os meus, os seus...dedos
Comendo o que estivesse no chão
Gritando muda
Dentro da escuridão
Alma encaixou-se
Meio violentada
Jamais, jamais!
Bem acomodada

Então não me irrite
Quando me jogo nos abismos
Quando sangro meu corpo
Quando busco a dor
Em qualquer estrada
E me lanço
Em qualquer viagem...

Nasci assim sangrando
E não me endireitaram
Jamais deixarei
De ser
Um ser
Selvagem...


quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Cegueira


Não consigo
Ficar sem respostas
É como ouvir o passaredo
Com venda nos olhos...

Busco respostas,
Assim...
Quando não consigo alcançar
No mundo aqui fora;
Dentro de mim...
Então vem a gangue
Dos profetas que moram nas tendas
Os que entraram há milênios
Pela tão falada fenda

Ouça!
Agora mesmo estão trabalhando
Sufistas, ciganos
Mestres africanos
Pajés, xamãs, sacerdotes
Dervixes, druidas, mães-de-santo
Médiuns de todos os cantos

Nada
Mente em branco...
Não acham a resposta
Morro um pouco na alma
Não há calma
Sem respostas
Não há vida
Sobrevivo
Andando sobre espinhos
E folhas mortas

Dez motivos para amar-te


Tenho dez motivos para amar-te
Teu jeito de menina mulher
Tua pose de quem sabe o que quer
Tua majestade sem coroa
Tua mania de rir a toa
Tua beleza de “lagoa azul”
Teu corpo nu
Teu ritmo de poema
Tua mente de Palas Athena
Teus olhos de mar
Tua forma de me olhar

E tudo isso se eu perder
Para alguém, em alguma parte...
Será o único motivo que terei
Para matar-te...


Heloisa Scorpio Galvez

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Letras Mortas



Transito

Entre palavras

Atropelo sílabas nas faixas brancas

Sei que sempre passo no farol vermelho

Esmago frases nos pneus traseiros

Buzino entre estrofes

Descabelo as mais esnobes

Vou sem freio pelo verso

Atravessando letras mortas

Na ré do caminho inverso

O mapa desse caminho

É uma aberração literária

Não me coloque no meio

De um soneto severo

Me desespero...

Regras são o côncavo do meu convexo

Meus olhos não têm acesso...

domingo, 12 de agosto de 2007

Malabarista

Ah se ela me visse cá embaixo
Será que sentiria a aflição?
Não!
Quando seus pés agarram a corda
Deve pensar só no caminho
O destino seguro do outro lado
Onde a esperam mascarados
Será que sabe que estou aqui toda noite?
Olhando ao alto com devoção?
Sentindo meu corpo elevar-se
E transformar-se no bastão
Que leva nas mãos?

Não!

Mal sabe que existo na platéia
Mal sabe que saio
Quando seu numero acaba
Ah! Mas sou eu o bastão
Que leva nas mãos
Como fiel escudeiro
Onde ela estiver, aonde for!
Sigo atrás como um fantasma
Mundo inteiro...
Qualquer paradeiro
Sou dela miasma...

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Sempre a Fenda!

Pensamentos tantos
Antes fosse um
Apenas um caminho
E que fosse comum
Um
Um!

Meus pensamentos
São hermafroditas
Procriam-se por conta própria
Não há portas que os prendam
Super-heróis que os rendam

Ai a fenda
Mal-bem dita
Fenda
Me mata, me fascina
Não há mesmice
Nem descanso

Vem!
Ponha a mão em minha testa!
Veja porquê sou louca
Não!
Não teste!
Basta duvidar
Ela vai te sugar!

Vagará eternamente
Pelo planeta sem fim
Que há dentro de mim...

Quer?

domingo, 5 de agosto de 2007

Deuses Constelados - poesias do 1711




Deuses Constelados- poesias do 1711


Na segunda você acorda e ainda é lua,
Gira e rodopia pela cama,
Ainda sonha e anda nua pela rua,

Terça coloca uma faca na cinta-liga
Duas pulseiras largas no ante-braço
Sai a pé depois das dez e vira dona do pedaço

Quarta, escreve cartas e as entrega por conta própria
Encontro-te no meio de qualquer estrada
E vesga, lume no escuro da encruzilhada

Quinta acorda reluzindo, toma banho de mel
Marca 11 encontros , outorga 17 mortes
De noite rapta as virgens e faz que sangrem no céu

Sexta é sempre a mais bonita, no ar um cheiro de mar,
Abraça seu filho e lhe dá conselhos e asas,
Procura o mais belo dentro de todas as casas

Sábado é sempre soturna
veste-se de preto e se tranca no quarto
pensa enquanto cala, e tarde dorme numa urna

Domingo vai ao parque com a molecada
Desfaz-se de todos seus crimes
E numa pirueta tem de volta sua alma iluminada...




quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Eu Só Queria Ler um Livro



Quando eu era pequeno e lia um livro na varanda meu pai dizia
-Que livro menino vai surfar, olha o mar!
Eu ia surfar pensando no fim do livro e toda onda me engolia.
-Quando eu lia um livro no quarto e minha vó entrava ela dizia
-Guarda esse livro menino, vai jogar vídeo game.
Eu jogava vídeo game pensando no fim do livro e nunca ganhei jogo algum.
Quando eu passeava no shopping com minha mãe e queria entrar numa livraria ela dizia
-Que livraria menino, vamos ver aquela bermudinha ali!
Eu voltava pra casa com cinco bermudas, três camisetas dois óculos escuros pensando naquele livro da vitrine e esquecia as roupas na sala.
Numa viagem se eu estivesse lendo um livro, meu irmão falava
-Larga esse livro seu nerd, vamos brincar de cuspir pela janela!
Eu cuspia pensando no livro e melava toda porta do carro.
-Se eu lesse um livro no banheiro, minha irmã batia
-Larga esse livro pivete, vem jogar xadrez!
Eu ia jogar pensando no livro e sempre perdia.

Quando enfim cresci e ganhei o prêmio Nobel de literatura recebi uma carta
“Que bosta de prêmio heim menino, está deserdado. Vergonha da família!”.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Poesia

Ah esse mundo....
Cheio de armadilhas
Armas frias
Dias quentes
Almas vazias
Quartos fechados
Hipocrisia
Que é poesia?
Cantar ao vento?
Triste lamento?
Ilusão de ser poeta?
Blasfêmia!

Poesia tem essa apologia
Essa rima
Esse ritmo
Som de foles
Aroma de flor
Poesia
Bah!

Prefiro o alvo certeiro
A palavra ousada
Sem escapes...

Firo-me com o espinho dessa rosa
Um viva à PROSA!!!

(Vivian Guilhem)

sábado, 28 de julho de 2007

Fragmentos da Menina da Lancheirinha


Kardex...


Fiz um roteiro maluco, com certeza havia algum melhor, pegamos o trem em Paris para Le Mans (sim, a cidade das mil milhas) e depois mais um até Avranches, a cidade que nos disseram ficar mais próxima de Saint Michel.
O trem para Normandia não era em nada parecido com um TGV, rastejava lento como a paisagem, ao longe começaram a aparecer as primeiras casinhas típicas da Normandia, via as vilinhas gaulesas de “Asterix” que eu tanto amava, e numa elucubração imaginei “Kardex” ainda como druida divagando com “Panoramix” numa floresta:

-Um dia numa outra encarnação vou criar um nova religião...
-O que é religião?
-É fazer o povo acreditar, ter uma meta, algumas regras, fazer o bem...Acreditar em Cristo.
-Quem?
-Jesus; ainda não nasceu...
-Você quer alguma poção para febre? Logo ali há um carvalho.
-Por quê? Acha que estou maluco?Tenho visões!
-Acredito em suas visões, não acredito em intermediários entre homens e Deuses.É isso que me parece esse sistema que chama de religião.
-Hora, não somos mais ou menos isso?
-Claro que não, só conduzimos os ritos, os homens observam a natureza e de acordo com ela, a de fora e a de dentro, convocam os Deuses e procedem de acordo com sua ética, e assim dependendo de sua conduta, podem tornar-se um deles ou não. É nisso que acreditamos...
-Me parece desregrado demais..
-A tempestade avisa quando vai derrubar nossas casas? Os campos não nos surpreendem com boas ou más colheitas?
-Sim, por isso para trazer paz ao homem e não deixa-lo a mercê da natureza é que devemos protegê-lo...
-Se o homem fugir da Natureza que está fora, e não sofrer suas intempéries jamais vai saber cuidar de sua Natureza interior, mas não se ofenda com minhas palavras, também tenho minhas visões, em breve virão os romanos “reformados” e nos forçarão a transformar nossos Deuses em um. Deve ser este ao qual você se remete.
-Acha que devo fugir do meu destino?
-Não, mas tente ser uma pouco diferente, se é que me entende..

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Quem?


Entrei
Máquina do tempo
Templário loiro
Vi nos braços meus
Eu
Cigana escura
Vestido azul
Corpos nus
Adeus pela manhã
Ciganinha ruiva
espreitando
Nunca notei
Guerreiro partiu
Nunca voltou
Morri
Ciganinha chorou
E mais ninguém
Afinal
Você é quem?

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Tateando Paredes



Acordei tateando paredes
Porta do banheiro cadê
Interruptor cadê
Apenas eu e paredes
Labirínticas, anímicas...
Riram de mim,
Jogavam-me de um lado para outro
Quis gritar
Gesso, tinta, tijolos.
Calaram minha voz
Estava presa entre paredes
Nós de um marinheiro algoz

Paredes cerebrais
Estava dentro de mim mesma
Oi trapezista
Oi malabarista bipolar
Oi interno lar

Quero sair daqui
Falei
Saia
Falaram
Os anões me empurraram
Pelo buraco do ouvido
Sai de mim, enfim...
Vi a porta do banheiro,
E o interruptor
Luz! E consciência
Em breve estarei de novo
Entre as paredes psicodélicas
Feitas de massa cerebral
Para sempre
Meu itinerante,
Errante
Umbral...

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Hipocritacriptamente

Ai Neruda, Florbela, ai Vinícius...Ai!
Não me levem a mal
Mas poesias de amor já embrejou faz uma cara
Passo mal...

Ó meu amor, que saudades tuas!
Ah, quantos dissabores nessa vida!
Onde estarás tu na noite escura?

Nossa que prefiro o buo da coruja...

Amor é amor e sobre ele tudo já foi dito
Que é lindo, que é dor, que é divino...
Que nos mata, nos revive...
Até eu hipocritacriptamente,
‘Inda escrevo sobre essa sandice
Demente...Mas olhe que meu verso mente...
Ou inventa, pra escrever de outro jeito...
O tantas vezes, melhor dito
Amor maldito!

Ai Pessoa, Bilac, ai!
Ai pior; poetas suicidas!
Morrer de amor, nomelocreo...
Tanto mel enjoa...
E eu que ainda tô nessa
Faço agora uma promessa
Poemas de amor nunca mais
Talvez um ou outro...
Capaz...

sábado, 21 de julho de 2007

Fragmentos da Menina da Lancheirinha



-Mamãe o que são górgonas?

Não tive a resposta num decreto, falei da relação com as gárgulas das catedrais que se mostravam monstruosas para afastar o mal. Não convenci nem a mim, e hoje precisei ver isso mais a fundo.

Giuliano explicou pra mim através de uma pergunta a conexão da minha “miopia” com o ser que eu era.
Minha “miopia” impediu que visse as górgonas da minha infância...Essas guardiãs do inconsciente que fazem de seu aspecto tenebroso, um aviso que ainda é cedo para entrar no reino interior e enxergar seu horrores, eu entrei muito cedo sem perceber, talvez não visse coisas tão medonhas assim, ou via e me adequava sem muito medo, por isso é tão difícil pra eu equacionar esses dois mundos. Sempre se intercalavam naturalmente...
Por isso tanta fantasia, por isso a coragem, por isso a falta de limites...

Por isso; eu...

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Bolinha de Borracha



A estrela sumiu
Faz muito tempo
Senti tanto sua falta
Morri um pouco no vácuo
Faltou ar, faltou água.
O chão sumiu,
Desanimação suspensa
Fiquei presa em Cronos
Anos...anos

Nesse tempo
Uma bolinha de borracha
Bateu na minha testa
A tal da testa aberta...
Entrou
Como tudo ali sempre entra
Ficou
Trapeziou
Me deslocou
Me entreteu

Foi então
Que a estrela, quem diria.
Apareceu
Voltou pra mim
E eu pra ela
Toda animada

Gira mundo
Mente gira
Gira estrela
Pula bola
Estrela na mão
Não quero mais
Entendi...
Sonhos racham
A estrela me consome
E eu só consigo pensar
Na bolinha de borracha

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Folha em Branco




Ando
Folha em branco
A mente escura
Tateando o nada
Cadê a fechadura?

A chave onde está?
Não há.
Perdi, aqui, ali,
Em algum caminho que segui
Ou não segui...

Rolha que não sai
Do gargalo do pensamento
Palavras apodrecem
Em ilegível lamento

Sílabas selvagens
Onde estão?
E aquelas conexões?
Reflexões corrosivas
Estarão vivas?

Viver é inventar
Frases no papel
Como flores num jardim
Frases cheias de espinhos
Espinhos que habitam em mim...

Onde estão as letras
E das letras, suas frases?
E das frases a prosa sônica?
A prosa; aquela rosa...
Cheia de versos-pétálas
Métrica perfumada
Regada com água tinta
Trôpega ou ritmada?

Meu jardim
De folhas rabiscadas
Seco de mim...

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Jacaré dá

Um pé
De jacarandá
Jacaré dá

De menina via ovos
Balançando nos galhos
Da árvore do meu pomar
Crescida ao lado do rio

Primavera despertou
Ovinhos quebraram
Cascas sobre mim
Jacarezinhos no meu jardim

Queria guardar todos
Dentro de um bercinho
Nas meninas fiz lacinhos
Pros meninos comprei bola

Mas era o rio que eles queriam
E assim os fui perdendo
Os filhos meus, pequeninos
Nas águas partiram de mim

Foi quando peguei o machado
E jacarandá cortei
Tronco morto, virou jacaré
Que ali mesmo me engoliu

Fui dentro dele pelo rio
Jacarezando e rezando
Virei o que ele era, ele...Eu.
E sumi de mim pra sempre
Na primeira curva que apareceu...

Um pé
De jacarandá
Jacaré dá

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Em Cada Pedaço de Ti


Em cada pedaço de ti, habita um ídolo meu.

Nos pés de dançarina, entre o lastro e o suspende.
Sangra Lorca iluminado por seu terrível duende

Nas pernas longas e brancas, pontes do Himalaia.
Mira dançante, arrogante, intrépida tribo de Gaia.

Nas grutas escuras, puras, de sua púbis...
Sinto de Afrodite, o perfume embriagante!
Escravo incauto sigo adiante...

No ventre claro, e macio...
Vislumbro, Rosa’s
E a terceira margem do rio

No horizonte de seus seios
Que os xavantes guardam com receio
Escalo à marcha leve o roncado.
Encontro Fawcett, e seu Eldorado.

Nos ombros largos e precisos
Descanso entre Narcisos
E um Eco se faz aflito
Quando por seu corpo, eu grito!

Ah, pescoço de gueixa!
Quantas tentações nessas areias
Escalo dando-me a elas
Todos despudores de Sereia...

Boca desenhada por Doré
Entre estribilhos de Bach
E navegando neste barco
Caronte me leva soturno
Para o vinho de Baco

Nariz de ninfa rodeado,
Por uma ciranda de fadas-sardas
Farol da mais linda visão
Olhos de mar...
Azul Polar.

Em cada pedaço de ti, habita um ídolo meu
Cabelos rubros, selva de pocahontas
Nas mãos ciganas,
Minhas sílabas profanas
Os braços Kalicos
Seguram todos meus sonhos
Mágicos, tolos, anárquicos...

Em cada pedaço de ti, habita um ídolo meu.
E em mim por ti habita
O fogo de Prometeu.





quarta-feira, 11 de julho de 2007

Nascida Verme





Nascida verme plantei-me no lombo da vaca
Buraquei-me e cresci, cresci...
Moscas...
A cortejar-me
Moscas como companhia
Moscas, noite dia.
E a vaca me alimentando
Sangue, sangue.
Ninguém me viu
Até que engoli a vaca
Cruzei com o touro
Pari um ser torto
Semimorto
Que comi.
Nascida verme,
Avermelhei
O pasto e montes
Fiz rubro o horizonte
E morri no heróico laço
Do chefe do cangaço
Sou lenda na fazenda
Na cidade, mundo afora.
Nascida verme
Avermelhei o milharal
Os campos, cafezais.
Fiz de mim, ser imortal...
Berne, verme,

Feio?
Verme?
Nojo?

Só quem já nasceu verme,
Pode sentir,
Ah humanos!
Pobres...
Explicam dos seres a vadia existência
Sem viver a experiência
Sem jamais sentir o cerne
De um ser nascido verme...



sexta-feira, 6 de julho de 2007

O Amor Engorda




Antes dos trovadores
O amor não existia
Não assim feito paixãoIlusão e euforia
Era morno como banho de menina
Cauto como missa matutina

Cristandade ensinou; procriação.
Duas pessoas se uniam
Pelas leis da conveniência
Haja paciência,Era só papai mamãe
E um beijo gelado no rosto
Ah! Que era um sei lá, sem gosto.

Ai! Que então eles chegaram
Lá pelo século XII
Inventaram a dor do amor
Acenderam da paixão o fogo
Que lhes trouxe Prometeu
O alaúde fez amor com a trova
E esse Amor Eros nasceu

Então veio o desamor
E morte precoce
De desilusão
Almas desequilibradas
Neurótica obsessão

E essa foi acreditem;
A parte melhor
Pois se o amor paixão
Fizesse celebração
Que desastre!
Afrodite pôs maldição

Trovadores precursores
Do apetite sem limite
Dos amantes vitoriosos
Corpos esguios deram espaço
A silhuetas de ogro
Barrigas exageradas
Camas apertadas


Inventaram o colesterol
E com a mesa farta, o enfarto.
Celulite e estrias
Estômagos inchados de sapos
Peitos dentro das tigelas
Queixos engolidos por papos

E as Nádegas da matrona
Fez transformar a cadeira
Em suntuosa poltrona
Quem diria; trovadores!
Inspiraram novas tendências
Criaram os decoradores


Vá-te retro trovador!
Vá-te retro usurpador
Daquele meu corpo perfeito
Posso ver-me agora
Num quadro renascentista

Vá-te retro amor feliz!

Trovadores já morreram
Inventores do engordar
Quisera estivessem vivos
Pra que os pudesse matar!


Trovador hipercalórico
Empalo-te no pau da moldura
E querendo mesmo deixar rastro
Com a corda do teu alaúde
Satisfeita, te castro!


Vá-te retro Trovador!

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Trapezista Dentro da Cabeça

desenho: Heloisa Galvez
Foi pela fenda em minha testa aberta há séculos que ele entrou, não sei de onde veio, nunca me contou. Imaginei ter sido expulso de um teatro mambembe por amor a bailarina, amante do palhaço Chupetinha, ou veio depois que o circo Irmãos Gabrielle, do circuito Natal/Mossoró faliu...

Instalou seu pequeno trapézio na capota do meu crânio, deve ter usado uma furadeira, e outras ferramentas inclementes, foi aquela dor de cabeça que tive e durou o dia todo.Desde então sinto o vento norte sul constante em minha mente.

Não é fácil ter instalado um trapezista na caixa craniana, assim com toda massa cinzenta como espaço embalativo...Não é fácil.

Mistura os pensamentos com inocente alegria, penso que se apaixonou pela malabarista bipolar que já nasceu neste lugar, desde que ele chegou, vou do céu ao inferno com uma freqüência maior, juntos sei que chamam outros artistas, o bufão Abenias que morava no meu sorriso, migrou paro o cerebelo.

O trovador Rimbauld que servia sincero meu coração, fez tenda no encéfalo. Estou destituída de mim.

O circo está crescendo, pelas noites cresce mais, os anões que eu mesma chamei há muito tempo pra dentro de mim, pra livrar minhas veias dos radicais livres de lembranças presas estão migrando pra cabeça, somam 340 segundo minha última conta.

São boêmios como deve ser todo artista, por isso acenderam com tochas minhas noites de sono. Durante o dia divago, tento, planejo pra logo mais como um castelo de cartas caído, tudo embaralhar de novo. O pior de tudo; o público.

Faz uns dias começaram a surgir entre lembranças, pessoas tantas que sentam no afofado das poltronas pineais para assistir ao espetáculo invejável que produzem ali. O mágico Van der Kaplan abriu todos meus baús de idéias hermeticamente lacrados, não sei, mas conseguiu, como só se consegue um mágico.

Ouço aplausos há cada duas horas, às vezes me é concedida uma entrada e assisto também...Não há como não chorar, cada pedaço de mim, fazendo em minha cabeça tamanha folia contando tantas histórias, histórias da minha vida.

Foi pela fenda da minha testa que ele entrou, montou a tenda azul e amarela, desfez as minhas rédeas, e em minha mente criou esse palco que se torna itinerante quando ando, tropeçando pelas travessas e esquinas, indo, vindo...Sem ter noção alguma de quem eu sou, ou onde estou.

Assim caminho sem saber porquê...O show é um sucesso, ouça os cambistas!Vendem o bilhete 10 vezes mais caro que o preço do trapezista...

Estou sem ação, sinto o vento norte sul constante em minha mente. Não é fácil ter instalado um trapezista na caixa craniana, assim com toda massa cinzenta como espaço embalativo...Não é fácil.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Fragmento da "Menina da Lancheirinha"- Uma Briga com Anita Malfatti


Fui uma criança de sorte, sempre tive em minhas mãos, todas as histórias que quis, Anderson, irmãos Grimm, Esopo, Charles Perrault, Lewis Caroll,Carlo Coloddi de Pinóquio, entre muitos outros. A maior parte de tudo isso descobri entre as páginas maravilhosas dos inacabáveis livros vermelhos do maior tesouro da minha infância! “O Mundo Da Criança!”
Claro que as noites com Monteiro Lobato com minha mãe, foi a primeira semente plantada nesse jardim mágico. Agradeço tanto a ela por isso...
Sei hoje que existem muitos grupos anti-Lobato, pelo fato deste ter criticado alguns artistas da semana de Arte Moderna de vinte e dois...

E daí?
Eu o admiro ainda mais por isso, não menosprezo as novas obras e artistas que ali se destacaram e deixaram seus nomes para sempre na história.
Mas como não concordar com monteiro Lobato ao dizer da obra de Anita Malfatti:

“Quando as sensações do mundo externo transformaram-se em impressões cerebrais, nós ‘sentimos’; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em ‘pane’ por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá ‘sentir’ senão um gato, e é falsa a ‘interpretação que do bichano fizer um totó (cão) um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes”.

Entendo completamente estas que por muito também foram minhas palavras muito antes de ter qualquer conhecimento dos proclames e repercussões que surgiram dessa semana. Sempre ao olhar um quadro abstrato, cubista ou “dissonante” demais, questionava que “a arte que precisa de explicação não pode ser chamada de arte”. Se a arte é feita para o publico não carece de um interprete cada vez que for apresentada.

E mais, Lobato sabia o dizia, afinal fora, desde o início de sua carreira, um pré-modernista. Irritado com os padrões oficiais de cultura, desvinculou-se das normas padronizadas da literatura, criando um estilo livre, avançado, valorizando a cultura nacional e discutindo temas voltados internamente para os problemas brasileiros! Mas não utilizava formas assimétricas porquê simplesmente não precisava de nenhum recurso, nem de linguagem ou estética, para escrever e principalmente encantar crianças de todas as partes e cantos, com a maior obra de literatura infanto-juvenil do Brasil.
Sim, sei que as palavras de Lobato levaram Anita a uma terrível depressão, mas ora! O artista tem que estar sujeito a isso, e desistir ao primeiro obstáculo, outorga a crítica de Lobato e a minha.
Anita, depois da ardorosa crítica, desviou sua arte para a “natureza morta” (nítida a simbologia que desviou sua obra para a mortalha) e deixou as aventuras de sua alma de lado.
Como diria mais tarde Mário de Andrade:

“Ela fraquejou, sua mão, e indecisa, se perdeu”.
Como fraquejar a mão? O instrumento do artista por causa de uma crítica?
Pobres são aqueles que só almejam elogios, e destroem suas artes ao primeiro ataque do verbo!
Lobato ainda falaria, tudo que um jovem artista, se comparado a um “alpinista” tem que dar ouvidos antes da escalada. Há que se escalar o monte, não pelo objetivo do cume, mas pela aventura do caminho bem percorrido, o cume é uma conseqüência que pode vir ou não, dependendo de sua habilidade, do saber-se esperar, e do poder prosseguir na hora certa e não desistir só pela nevasca leve que cai, mas ao perceber que o cume ainda está longe o bastante para suas habilidades de principiante.

“O verdadeiro amigo de um pintor não é aquele que o entontece de louvores; sim, o que lhe dá uma opinião sincera, embora dura, e lhe traduz chamente, sem reservas, o que todos pensam dele por detrás”

Lobato era um visionário, Anita não era artista de fato. Um artista não desiste da força que vem da sua alma! Desculpem-me seus fãs, mas fatos são fatos...

-Heloisa, este capítulo chama-se “Falando de Sexo”.
-Sim, e daí?
-Você falou de gnose, gnomos, irmão Grimm, Monteiro lobato, acabou com a Anita Malfatti e desenterrou mil citações, o que falou de sexo afinal?
-Agora você defende a Anita? Eu nada tenho contra ela, mas assumo minha postura crítica, sempre fui assim.
-Esqueça a Anita, minha pergunta foi o que falou sobre sexo?
-O que tinha que falar, não tenho culpa se não tinha mais.
-Ah, tem sim! Não vai me deixar aqui sem saber de tudo.
-Você esteve comigo, anta! Sabe que falei o que tudo quer que eu invente?Sabe que sou boa pra isso.
-Não, quero que descreva melhor e com mais detalhes seus raros momentos.
-Não vou fazer isso, já escrevi tudo do jeito que tinha que ser escrito.
-Você percebeu que fugiu do assunto assim que viu uma fenda no labirinto?
-Você virou uma devassa ou o quê?
-Quero saber porquê foge desse assunto.
-Eu deveria ter trancando melhor essa porta..
-Tonta só você acredita nessa metáfora idiota.
-Olha, não sei onde você está, mas eu estava bem, antes de saber que tinha que te buscar.
-Você estava uma merda! Lembra?Ou quer que eu fale?
-Cala a boca, o livro é meu!
-É nosso tudo que falta em você eu tenho em mim.
-Eu não quero virar uma devassa como você!
-Essa é boa, ambas sabemos que vai virar!
-Por sua causa!
-Sim, porquê você me baniu.
-E se não tivesse banido? Eu seria o quê? Uma dona de casa assistindo tv aos domingos?
-Não, mas talvez alguém que já estivesse em paz.
-Olhe, o que fiz, fiz, tinha que fazer e pronto! Estou voltando pra te buscar, depois veremos o que vai acontecer, enquanto isso fique quieta, assim só atrasa!
-Quer um conselho?
-Fala, já que vai falar mesmo.
-Mude o título do capítulo, coloque “Falando sem Nexo”
-Vaca!




sexta-feira, 29 de junho de 2007

Fofoletes Assassinas-Atentado 2


O Incêndio no Chiado


Fofolete Assassina.
Com seu pomponzinho.
Riscou a caixinha de fósforos.
Em Lisboa faz um tempo.
25 de agosto de 88.
Não tempo bastante
Para o esquecimento
O Chiado virou carvão
Centro histórico no chão.
Portugueses “inda contam exta hixtória”
Seu Manoel disse lembrar-se.
Da bonequinha rosa.
Que chegou num navio cargueiro.
Vindo do Rio de Janeiro.
-Meigamente “rixcou-se” na caixa,
se pôx no “Largo de Camõex”,
e “queimou-xe” junto, a todo mundo.

Isso pensa Seu Manoel.
Fofoletes têm magia Troll.
Renascem a cada atentado.
Ali fê-la renascer; um fado.

Fofoletes são culpadas.
Do incêndio no Chiado.
Do meu verbo “enduendado”.
Sadismo adocicado.
Anarquismo “Lorqueado”



.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Guerrilheira da Areia


A areia, primeira escola.
Entre baldes, primos
Pais e pás
Sempre besuntada com creme rosa
Que me fazia parecer uma índia
Uma indiana
Guerrilheira da areia

Ali dei meus primeiros passos
Como um ser independente
Vagava sozinha, olhando o mar
As vagas e carrinhos de sorvete
Só voltava quando alguém me achava
E me colocava debaixo do guarda sol amarelo
O cárcere adequado
A uma eterna fugitiva

Assim dentro da sombra torta
Fazia desenhos na areia
E mostrava
“Lindo” diziam sem ver...
Meus castelos, meus monstros
E cidades encantadas
E assim sem platéia alguma
Atuava sozinha
O que percebi ser melhor

Inventava as histórias
E a mente escrevia as palavras
Que eu não conhecia ainda
Na hora de ir embora
Destruía tudo feliz
Meus contextos eram isentos
Despossuidos de mim

Havia o dia seguinte
E com ele outras areias
Passos a diferentes rumos
Cárcere de todas manhãs
Novos desenhos e histórias
E longos mergulhos no mar
Nos braços do meu pai

Foi ali, ainda de fraldas,
Besuntada de rosa
Que conquistei minhas sardas
Meus reinos solitários
E de tudo a melhor parte;
A Arte!

Esculpida de sereia
Guerrilheira da areia!

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Ladrões do Passado



Hoje roubaram meu sonho
Não um sonho quimera
Mas o sonho sonhado no laço
Ritmado na noite
Lapidado em seus braços

Comecei falar dormindo
Teci no sonho uma história
Embalada em seu colo
Cerzida com fio de Morfeu
Ao som da harpa de Apolo

E quando meu sonho postei
Na caixa do inconsciente
Desviou-se de mim
Por um buraco da mente

Cavado pelo bando
De ladrões que moram em mim
Estão eles com o conto
Que fiei começo ao fim

Entraram de certo pela fenda
Que existe em minha testa
São ladrões daquela tribo
Que ali em outros tempos
Tempos esses de braveza
Me mataram a machadadas
Bem no meio da cabeça

Que será que em tantas vidas
Buscam dentro de mim?
O paradeiro do Graal
O portal do Eldorado
Ou o segredo velado
Da pedra filosofal?


sábado, 23 de junho de 2007

Portal

Você é o Portal por onde entrei
E entre tantas fantasias que encontrei
Estava em você o Sorriso do Gato de Lewis
A esperteza da Raposa de Esopo
De Zéfiro o Doce Sopro
O charme hedonista de Wilde
De Fawcett, o Eldorado.
Da erva de Carlos...O efeito.
Pequena Sereia, de Andersen...
Da princesa e a ervilha, o Leito.
De Lorca o Duende Gitano
Loucura sã de Dionísio
De Rosa, a terceira margem do rio...
De Homero, Helena de Tróia.
Das Moiras, precioso Fio
De Borges o Aleph “polividente”
De Shiva, “kundalinica” serpente...
Lucíola de Alencar
De Verne, misterioso mar...
Dreamland de Poe
Pasargada de Manoel
O Vinho do crânio de Byron
De Epicuro o Jardim
De Bosch as Delícias
Santa Teresa de Deus
Lágrimas dos olhos meus...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Hipogrifo



As formas, não me interessam mais!
Sou aquilo que você vê dentro do caleidoscópio.
Cones ovais, losangos destroçados.
Trapézios interceptados por círculos quadrados.

"Espelhos quebrados..."

Meu coração tem a porta de um poço...
Não abra jamais!

Dentro dele adormece um hipogrifo.
Cavalo com asas de águia, o grifo e a égua.
Trégua ou entrega, sem opção.
Sou eu a Senhora da Besta.
Quando te amei o feto brotou-me no coração.

Vem que ele esta por rebentar-me!
Vem cavalgar em nossa cria!
Vem criar o que sonhamos!
Quantos planos, quantos planos...
‘Inda é cedo, ouça a madrugada...
E as fadas, e as fadas!

Venha agora ou não venha nunca mais
Meu coração tem a porta de um poço
Não abra então, não mais...
Sem você será jazigo de um sonho.
Hipogrifo algum despertará jamais.
Voar...Sonhar, viver...
Jamais...
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A COMUNIDADE POETA UM ETERNO APRENDIZ AGRADECE A TODOS OS PARTICIPANTES DO 3º CONCURSO DE POESIAS E CONCEDE O DEVIDO MÉRITO AO VENCEDOR : Hipogrifo-Heloisa Galvez

terça-feira, 19 de junho de 2007

O Passado não Passa


O passado não passa.
Lembranças criam pernas e correm atrás de mim.
Boas, más; lembranças...
Desfaço do meu presente, o passado é onisciente.
Onipotente, "oni-presente".

O presente é açoitado.
Esquecido entre fatos que vagam na mente.
Arrancado de mim, como se arranca um jasmim.
O presente não brota, é um broto natimorto.
O passado serpente vem de repente e me enterra.

Estou soterrada de recordações.
Pás de terra sobre mim são momentos que vivi.
Vermes imateriais comem o agora.
O presente não vivido, ao chorar já é passado.
As serpentes na mente, prendem o livre-arbítrio da hora.

Da canoa furada, vivo a tirar baldes de água.
Não navego, deságuo.
Não sinto o vento no rosto, sou o que aconteceu.
De tentar tirar lembranças da canoa.
Viro Sísifo, viro Tântalo, viro Prometeu.

Lembranças tantas...

sábado, 9 de junho de 2007

Fragmentos da Menina da Lancheirinha

Não tenho muitas referências desse primeiro dia é como se fosse “uma foto em negativo”, dele só tenho as emoções e algumas pequenas cenas que marcaram.
Havia um menino mais desesperado que eu, eu estava ao menos quieta, ele se contorcia e tentava chegar até a porta,
as tias o seguravam, tentavam acalmá-lo, mas ele não escutava nada, gritava que queria sua mãe, chutava cadeiras e chorava sem parar.
Sei que eu não me importava com nada à minha volta, nem estava preocupada com que outras crianças achavam
de mim, pelo fato de saberem que minha mãe estava lá. Não importava parecer medrosa, nem bonita, nem simpática, não me importava nada.
Lembro que minha mãe depois um certo tempo me acenou, como dizendo- Estou indo, logo mais volto pra te buscar. Fiz um sim com a cabeça, estava estranhamente mais calma. Descobri depois de muita observação, um mecanismo
para me confortar.
Eu não precisa “ser”, só precisava “estar’. Foi a resposta que encontrei. Isso foi a definição que dei “ao ato de ter que ir à escola”. Se já tinha tudo que queria em casa, se ali era meu mundo, ali estavam as pessoas que eu amava, os amigos de todas cores e sabores, todos os cantos mágicos onde eu brincava, se já tinha tudo isso e não sentindo falta de
mais nada, eu poderia sim, e porque não? Estar na escola sem me mostrar, sem ser, sem querer, sem desejar ou esperar nada...
Estava ali porque todas as crianças precisavam estar. Mas se eu precisava estar, estava, e estando era o bastante pra mim e também deveria para meus pais (quanto a eles me enganei). O resto eu já tinha em casa, não desejava nada além.

Então a escola passou a ser apenas quatro horas de “não ser”, apenas “estar”. E assim, mesmo sendo quatro longas horas, mesmo sendo um momento de tédio e saudade, eu não sofria mais, não sofria pelo simples fato que nada desejava ou esperava dali.

(Amor, os desejos quase sempre são os geradores principais dos grandes sofrimentos, assim nos diz a poesia, literatura, religiões, filosofia e até a ciência. Eu não tinha essa sabedoria, mas tinha o instinto e a intuição, era mais sábia, antes, que agora....Só eu sei o quanto sofri depois, por tantos desejos afoitos que precisava realizar...)

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Sonho de Vivian


Você me sonhou e eu acordei,
você me contou e eu já sabia.
-Caminhamos para o mar cheio de pétalas coloridas...-Você de azul, eu de branco

Depois desse sonho, sumiu o ex-pranto e instaurou-se o espanto.
Vi ser possível amar no acalanto, aconchegar-se no peito e dormir.
Aprendi ser possível o respeito a paixão e os dias risonhos.
Comecei a acreditar no amor, voltei a acreditar em sonhos...

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Bailarina Cozinheira


No chão rodopia ao redor do fogo
Na copa rodopia entre cacos dos pratos
No palco samba que nem rainha,
Na cozinha samba no piso oleoso
No teatro ganha aplausos em todos atos
Nas panelas, tenta lembrar, qual era o cardápio.
Na sala, mãos aos céus, ganha palmas
Na pia, tenta esconder fundos de panelas queimadas
No quarto só movimentos exatos
Na mesa, olho o banquete e prefiro ir pro quarto.
No meu corpo é a melhor bailarina do universo.
Na cozinha...Por isso fiz esse verso...

Fragmentos

Primeiro dia de aula- Um ato Fúnebre

Minha avó me acordou mais cedo aquele dia, me deu banho mais bem dado e esfregou meus cabelos com mais força, também me penteou com mais vontade, e esticou mais do que nunca minha testa quando colocou as duas Marias-chiquinhas com enfeites de bolinhas.
Depois trouxe meu uniforme cheirando a roupa muito bem passada e me vestiu cuidadosamente.
Calcinha branca novinha e a saia azul-marinho toda pregueada que descia até meus joelhos, depois a camisa branca de abotoar, com golas engomadas e um símbolo do colégio no bolso que ficava na altura do peito. Colocou as meias
brancas que tinham sulcos entre as tiras planas verticais. Esticou-as até a metade das minhas pernas, até onde era possível esticar. Depois foi até ao armário e pegou as botas pretas ortopédicas que eu precisava usar por ter um pé muito cavo e pequeno. Só as crianças com problemas ortopédicos podiam usar essas botas. As botas estavam brilhando de tão bem
escovadas (apesar de novas). Colocou uma a uma, e amarrou os cadarços (eu não sabia amarrar ainda).
Depois fez um
julgamento final, me olhou de cima a baixo e disse:
-Pronto Lolinha você está pronta!

(Eu não estava...)

Meus pais e meu irmão esperavam embaixo, não houve a famosa foto do primeiro dia que todas as crianças têm (até meu irmão). Não houve indagação alguma, peguei em silêncio o que me disseram pra levar, uma sacola azul-marinho, que para ser diferenciada de todas as outras iguais, deveria ter um bordado especial, minha sacola tinha um ursinho vermelho.
Na sacola havia um calção branco para a hora do recreio, escova e pasta de dentes e uma toalhinha também azul- marinho.

Minha avó colocou no meu ombro a lancheira rosa com um desenho de um trenzinho.
Dentro da lancheira havia uma garrafa com laranjada, um sanduíche recheado de queijo e manteiga e umas barras de chocolate, todos cuidadosamente embrulhados em papel alumínio.

“Minha avó colocou no meu ombro a lancheira rosa com todo peso do mundo.
Dentro da lancheira havia uma garrafa com um fundo de oceano, um sanduíche recheado de medo e umas barras de prisão , todos cuidadosamente embrulhados em papel de escrever adeus.”

Fui...

terça-feira, 29 de maio de 2007

Poema para Djalma

Desacelero sim Djalma,
Tanto; que hoje pois,
Nem sei quem sou
Sei que sou o que chamam
De "desassossego"
Respiro em segredo
Medo
Medo
Medo de não voar mais
Medo de tudo
Medo
Medo de ser medrosa pois nunca fui,
Desacelero sim Djalma,
Quem tem alma
Dilacera, quando morre uma quimera
E quantas morreram em mim...
Tantas quantas,
Um filme que não tem fim...

domingo, 27 de maio de 2007

fragmentos da menina da lancheirinha

A Escola
Finalmente chegamos ao terreno fundamental , para o nascimento da minha tragédia. Mas como todos os processos, ela também foi surgindo aos poucos. E o “aos poucos” tem seu prólogo aqui.
Estava chegando a hora de ir pra escola, as férias até então eternas, estavam acabando.
Eu sabia que meus pais já haviam me matriculado no colégio Dante Alighieri , o mesmo do meu irmão, eu entraria já no pré-primário, não sabia o que era isso, mas sabia que era o começo de uma grande etapa, e que ali ficaria por muitos anos.

“Na verdade o que não sabia é que uma parte minha, a melhor parte, ficaria presa ali até hoje. É por ela que estou voltando, é por ela que escrevo, é por ela que enfrentei e ainda estou enfrentando todos enfrentamentos do mundo, é por ela que choro, é por ela que sofro, só eu posso salvar o que resta dela, só o que resta dela, pode salvar o que resta de
mim....”

sexta-feira, 25 de maio de 2007

VV

Amor, amor meu...
pedacinho...
que editar, que nada...
a saudade está nessa tela...
imensa, azul como seus olhos...
imensa e azul como a terra...
amor, pedacinho, cadê?
não quero fazer poesia..
não quero rimas, nem boas palavras
só quero você...

Holandês Voador


Holandês Voador
Navio fantasma do mal
Voador, não sei quem diz
É pelos oceanos que vaga
E vagará eternamente
Tripulação fantasma
Aparece de repente
Bernard e sua gente
Atacam como serpente
O bom de se estar morto
É não ter medo de morrer
Penso ser uma pantomima
Da minha própria vida
Terra a vista jamais,
Jamais porto, jamais cais
Quebrei também as regras
Joguei dados com demônios
E trapaceei...
Da gávea só o oceano e o além
Porventura um outro navio,
Diversão da solidão
Naufragar este também...

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Epilepsia (Fragmentos da M. da Lancheirinha)


Bom aqui deu “um tilt”

Estou há 2 dias sem escrever amor, me deu um “tilt”, comecei a ler sobre epilepsia, sobre Jung, sobre Adler, Freud, entre outros...Fui conversar com um amigo psicanalista, enfim, uma epopéia atrás dessa “anomalia” que chamam epilepsia. Descobri muitas coisas, coisas sobre a “própria” e outras coisas também, as “também” foram as mais importantes.
Sobre a epilepsia descobri correlações fascinantes, como grandes personagens históricos que sofreram desse “mal” .
Dentro da medicina é somente uma patologia derivada de inúmeros problemas cerebrais, como traumatismos cranianos, choque elétrico, abuso de cocaína, etc...
Dentro da concepção cristã, era uma possessão. Um espírito maligno “entrava” na criatura e a fazia, espumar, cair no chão, gemer, falar coisas sem nexo...Enfim era sempre necessário o chamado de um padre exorcista para arrancar o demônio.

Na visão coordenada, entre a filosofia e a ciência moderna mais sensorial, a epilepsia é ainda um enigma.

Interessante como quando não se tem respostas é fácil inventar uma. E quando se têm muitas, se torna quase impossível descobrir a certa.

Bem, dentro de tudo que pude pesquisar, dentro do que minha intuição buscava, encontrei muitas vertentes, mas não me cabe resolver o enigma. Só acalmar minha alma com alguns resultados interessantes, ou perturbá-la ainda mais; o que era na verdade a intenção, mas disso eu não sabia.


Santa Teresa de Ávila (a ébria de Deus, como é chamada) era epilética, fiquei pasma!


Você sabe das visões que ela teve, no meio de seus “delírios” como a de um anjo transpassando seu coração com uma flecha, mostrando nesse momento que deveria sair de sua omissão e começar sua missão!

Foi a partir de então que realmente incorporou a mulher “santa”, fez seus votos de pobreza e correu Espanha afora, erguendo mosteiros em nome da nova ordem que criara,(Carmelitas Descalças) seguindo os desígnios de Jesus, sim, das longas conversas que ambos tiveram, segundo ela... Amor, escrever “segundo ela” já mostra a mim, minha indagação quanto a este mito....
A pergunta é; existem seres tão sensíveis quanto ela, que de tal iluminação, encontram seu verdadeiro caminho, sua “Grande Obra’ através de ataques que nessa divagação nada mais são que outro nome para big-bang, metanóia, iluminação, individuação?
Ou será que a dor advinda desses ataques, os deixa realmente loucos, e como tábua de salvação encontram (são encontrados) por uma força intensa do inconsciente, que os foca em algo de muito grande, transformando assim essa loucura em algo realmente edificante?

Ora, se acima não escrevi a mesma coisa de maneiras diferentes!

-Perdão Santa Teresa, se já te amava, agora então....

Ordinário


As coisas ordinárias sempre me pareceram ordinárias, chamo de ordinário, as coisas comuns, como uma gaveta arrumada, uma mulher só bonita, um homem machista, TV ligada durante o dia, fazer o mesmo todo dia, rir de uma piada besta pra agradar o locutor, adorar uma tragédia, usar roupas da moda, trabalhar o dia todo e não ficar rico nunca. Ah...Mas são tantas coisas ordinárias nessa vida que muitas vezes me pergunto o que estou fazendo por aqui. Fazer supermercado e olhar os precinhos de cada produto me causa ânsia., não porque eu possa comprar tudo, porque não posso, mas causa. Almoçar no mesmo horário e temperar uma salada me desespera, ter que arrumar a cama, pegar ônibus, por pijama. E guarda-chuva então. Não há nada que me irrite mais que pessoas que têm o costume de usar guarda-chuva. Tomar chuva é tão bom, não é ordinário. Ordinário é ler “o segredo” e achar que agora a vida vai mudar. Ordinário é reclamar de todo mundo, quando a gente que tem que mudar. Ordinário é sonhar e não buscar, é amar e não roubar um beijo, é viver na laje da vida e nunca saltar. Ordinário é não chegar no mar, por nojo da areia, é não acreditar em saci nem em sereia, é rir da desgraça alheia. Ordinário é seguir o rebanho, ficar em fila de banco, nunca ter dado barraco na rua, ordinário é fazer deposito na reza, é palitar os dentes na mesa, ordinário é não saber amar como se deve, nunca cometer loucuras obscenas, ordinário é ser sempre platéia. Ordinário é ficar velho sem ter histórias pra contar, não meia dúzia, mas centenas, porque a vida só não é ordinária, quando a gente fala o que pensa, e isso causa tanta fúria por aí, que ah, como vale a pena...

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Beijo

Me chamaram pra um lugar,
Que tem gosto de beijo na boca
Ali não hei de entrar,não hei de estar
Se não for pra ficar louca.

Me chamaram prum lugar
Que lembra vinho e risada
Lembra aquilo que fui
Quando estava fora da estrada

E agora não sei se vou,
Esse lugar é tudo que eu era,
E agora já não sou,
O problema é que o gosto do beijo ficou...

Então tô assim, assim
Pensando em me dar asa,
E esquecer que a boca beija,
Ou deixar a boca em casa.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Fofoletes Assassinas



Eu colecionava fofoletes
vinham em caixas como fósforos
um dia, esfreguei aquele gorrinho
com o pomponzinho
do lado da linda caixinha
fofolete pegou fogo
eu joguei numa valeta,
o esgoto ignorou

Rio de Janeiro incendiou
fofoletes, quem diria
pequenas assassinas
com pompons tão delicados
mataram todos cariocas
fizeram dos milhos, pipocas
da minha infância; paçoca
fofoletes são culpadas
desta vida adulterada
desse peixe sanguinário
desse marte em sagitário...

quarta-feira, 16 de maio de 2007

A Lenda do Amor do Mar



Quando uma jovem dormia na beira de um rio,
Acordou com o som de um galope
Um galope de um ciclope que passou por ela e nem viu
Esmagou sua cabeça na beira do rio.
O caldo de seu cérebro se misturou com as águas azuis,
Um único neurônio se salvou e como um pequeno girino nadou.
Chegou no oceano já como uma serpente azul,
Netuno ao ouvir a notícia ordenou que a trouxessem.
Nenhum tritão foi capaz de tal proeza, a serpente era invencível.
E ao perceber-se perseguida, gritou aos sete mares:
-Não temam, sou invencível porém não lhes quero mal.
Netuno não contente bramiu:
-E quem pariu um monstro assim tão virtuoso?
-A Pata de um ciclope foi meu pai, minha mãe uma mulher que sonhava, eu sou o sonho,
que sobreviveu.
-Com que sonhava sua falecida mãe?
-Sonhava que encontrava um grande amor entre as águas do oceano...

Assim, a serpente azul, nadou por todo mar, e por onde passou, espalhou o amor que sua mãe sonhou...



terça-feira, 15 de maio de 2007

Fragmentos Da Menina da Lancheirinha


Óleo (A Noite)

Óleo é uma cidade muito pequena do interior de São Paulo, ali, perto de Avaré.

Fiquei muito feliz quando vi que o Óleo, estava no mapa do Estado. Eu sempre amei e ainda amo viajar pelos mapas.
Ali nasceu minha mãe, foi em uma fazenda das redondezas que minha avó foi criada, foi no Óleo que depois de Casados meus avós foram morar. Ali nasceram todos os filhos.

“ Avó usa grampo.
Avô usa chapéu.
Avós voltam pro grampo.
O feminino é sempre plural.”

A casa do Óleo, ficava na rua principal, ao lado da antiga “venda” da minha vó, nessa época apenas um enorme galpão fechado com prateleiras velhas e alguns objetos esquecidos que eu gostava de descobrir.


Eu não entrava ali sempre, era escuro e as paredes que falavam comigo choravam muitas lembranças, eram poucos momentos com cheiro de mofo e esquecimento..
A venda tinha uma pequena porta “nessa época sempre trancada” que dava exatamente na sala da casa que posso
chamar de “coração”.

(Amor, aquela casa foi e ainda é , embora tenha sido vendida, embora nem saiba se ainda está de pé o coração da minha
infância.)

Não tinha quintal na frente, só uma enorme varanda com cadeiras de madeira onde minha vó passava horas conversando com suas velhas e inseparáveis amigas, Dona Luzia e Dona Maria, que sempre choravam quando íamos embora.


Ainda vejo a cena de dentro do carro partindo. Olhava pela “janela de dar tchau” e via as duas velhinhas em pé acenando e chorando. Enquanto iam diminuindo, sentia a pele quente da minha vó, ao meu lado, mas não olhava pra ela, não queria ver suas lágrimas.

A varanda tanto levava para a sala enorme quanto ao jardim lateral onde minha vó cuidava de suas roseiras, havia muitas rosas, outras flores também, mas só lembro das rosas, minha vó cuidava mais das rosas, e eu só cuidei de lembrar delas..

Fragmentos da Menininha da Lancheirinha


O Zé Catraca



Foi também no quintal que presenciei outra cena terrível.
Dessa vez eu estava só, estava no quintal de cima, um quintal acima do pomar, que ficava do outro lado do “jardim das rosas”

Nessa época Amor, na casinha branca do pomar, morava um casal de caseiros, eram velhos, mal os via, depois percebi que não eram de fato caseiros, moravam ali numa casa minúscula por caridade da minha vó.

Esse casal tinha um filho conhecido como “Zé Catraca” . Eu tinha muito medo dele; tinha um rosto cavernoso e parecia um personagem de algum filme de David Linch, aqueles do mal.

Sua pele era de um tom cinza-esverdeado, tinha um cabelo sempre oleoso e cheirava mal,

sei que andava pelas ruas e que não trabalhava, quando não estava bêbado, também estava, acho que nunca ouvi sua voz, só via seus vultos sempre escuros vagando pelo pomar.

Na casinha minúscula que os velhinhos moravam não tinha lugar para ele, então minha vó o acomodou numa espécie de porão, que na verdade estava abaixo da casa e só tinha uma entrada pelo quintal.

Era uma espécie de caverna, tinha uma entrada, mas não tinha porta. Nesse lugar, pensava que além daquele homem, também moravam outros monstros, eu olhava para o buraco e sempre tentava me desviar, mas claro que eu ansiava o momento de entrar e ver o que havia de fato por lá.

A sintonia, que agora entendo é que a cena terrível se deu no mesmo dia que entrei pela primeira vez naquela caverna assombrada.
Resolvi entrar e levei comigo a sensação de "euforia que o medo traz” estava em pânico e apaixonada pelo instante.

Sorrateira e sozinha, cuidei para que o homem cinza-esverdeado não estivesse por perto e fui...
Era escuro, não tão grande, olhei tudo em um segundo, vi um colchão listrado, um “trabissero” sem fronha, umas garrafas vazias (de pinga certamente) e roupas jogadas por todo lugar, um instante de divagação passou por mim...
”Como alguém podia viver assim?” “A mãe não cuidava dele?” “Porquê será que ele era assim?”

Saí sem ver monstro algum. Os monstros sei agora que estavam dentro de mim, aquele buraco era apenas um botão que acionava essa sensação. Mas naquela época minha fantasia não me deixava questionar a existência dessas e outras criaturas

Foi logo depois que aconteceu...

Entrando ali e profanando o habitat do monstro real , achei que de alguma forma o chamei.
E assim, no quintal de cima, onde estava perdida em meus questionamentos , foi que ele apareceu, em carne e osso, o “Zé Catraca”.

Apareceu por trás de mim, pensei que fosse me pegar, mas não. De repente olhei pra ele e vi que estava tremendo, tremendo mais e mais, até que caiu no chão, onde continuou e se contorcer, emitia sons guturais, seus olhos giravam sem destino, eu fiquei congelada, acompanhando a cena, quadro a quadro:

Foi o monstro se revelando finalmente, por um minuto pensei que ele estava se transformando, logo me engoliria, esse pensamento me tirou do papel de espectadora e me levou ao de vítima, como vítima, fugi desenfreada, pulei o portão e subi a rua até chegar à casa da prima da minha mãe, onde sabia que todos estavam.

Cheguei e contei, devo ter contado assim:
-Mãe!- o Zé do porão ta lá caído no quintal, ta se revirando, vem depressa ver!
Foram, mas já o tinham socorrido, me explicaram que teve um ataque epilético, eu não sabia o que era isso, mas enfim, não era sobrenatural.


Fiquei de mal com a fantasia. Mas só por alguns dias...

sábado, 12 de maio de 2007

Uma Vida Pequena


Existem coisas especiais, dessas que causam ao mesmo tempo medo e fascínio. Desde menina me atenho muito a essas coisas, seres e sensações. São os presentes da fantasia postos aqui, neste mundo que é o que nos parece real.
Entre essas coisas que chamo especiais, havia os seres protagonistas, ainda há, não nego; são os anões.
Eu não podia ver um anão na rua que cutucava minha mãe e apontava com aflição e euforia. Ela bronqueava. “Não é certo fazer cena, diante de pessoas assim”. Mas era inevitável, e fiz, durante toda minha infância.
Com 19 anos tomei orgulhosa, cargo do meu primeiro emprego. Uma grande editora; eu era desenhista de uma revista infantil, o personagem principal era um palhacinho. O palhacinho criava vida no setor de promoções. Havia uma fantasia perfeita, quem a vestia era um anão.
Não me senti à vontade com isso, o anão não gostava de mim, isso nunca foi falado, mas eu sabia, aos poucos percebi que não gostava de ninguém.
Aparecia de vez em quando em nossa sala sem fantasia e por mais que eu tentasse, não conseguia desviar meu olhar do pequenino, usava roupas de menino, sapatinhos ortopédicos, e suspensórios permanentes, nunca o vi de outro jeito.
Eu sabia que ele estava perfeitamente ciente do que eu sentia, pois sua metade fantástica outorgava ao pequeno ser, além da forma, o conteúdo, e este eu sabia....Estava a par de tudo.
Um dia cheguei atrasada, o elevador demorou, subi correndo as escadas,e ali entre um andar e outro, vi caído o anão.
Nem sei o que senti, ficaria aflita se fosse uma pessoa como eu, mas sendo o anão fiquei estática sem ação. Não sei o que foi, houve ali uma dessas sensações mágicas que relatei antes, que misturam medo e euforia, sei que o anão caído com seus suspensórios encardidos, pediu meu colo e o peguei, não era tão leve como pensava, desci com ele pelas escadas vazias. Cheguei à recepção e gritei pra telefonista chamar uma ambulância.
Chegou quando um tumulto já estava à porta do prédio. Levaram-no às pressas. Soubemos depois de algumas horas que tivera um enfarto, não morrera por um triz, fui eleita heroína. Não sei se me orgulhei.
O anão jamais voltou, estava cansado e fraco pra vestir a fantasia pesada. Em seu lugar veio um menino, simplesmente um menino. Ele andava pela sala, com roupinhas da moda se sentindo o tal porque era um semi-ator. Algumas vezes vinha em minha mesa e dizia que eu desenhava mal. Eu o ignorava, e quando aparecia desviava meu olhar.
Um dia veio a notícia; o anãozinho morreu. Parece que a esposa ligou e avisou o local do velório.
Da empresa fomos uns três, eu tive que ir pra ver o anão. Sei não ser direito pensar isso, mas ver um anão morto era pra minha mente torta, aventura sem igual.
Lá entre dez pessoas, fui muito bem recebida por uma linda mulher. Uma mulher como outra qualquer. Era a esposa do anão e em cada uma das mãos segurava diminutas mãozinhas de um casal de anõezinhos. Nesse dia imaginei muitas coisas; imaginar os dois na cama foi inevitável.
Antes de me despedir quis pegar as crianças no colo, dois anõezinhos em botão, mal sabiam todos dissabores que lhes reservava a vida. A vida de ser anão.

Isso aconteceu há 20 anos, hoje Pedro e Clara são grandes amigos, desde a morte de seu pai não consegui me desgrudar deles. Me chamam de heroína, e outro dia voltei pra casa com uma sensação “daquelas”.
Pedro, 16 anos mais novo e setenta centímetros mais baixo, me deu uma cantada.
Fiquei um pouco decepcionada, esperava isso de Clara....


quinta-feira, 10 de maio de 2007


(Fragmentos da "Menina da Lancheirinha") O Terrorista

Lembro de minha vó e mamãe exclamando “Meu Deus”!
-As balas passaram quase na cabeça das crianças!
Claro que comecei a perguntar, afinal agora já havia uma história a ser explorada:
-O que é terrorista?
-Em que posição ele caiu?
-Tem sangue na calçada?
-Porquê fizeram isso?
As respostas vieram de maneira bastante didática. Me falaram que terroristas eram homens que lutavam contra o governo.

(Amor, não se esqueça que estávamos em 69, 70, época do regime militar, e como nosso mais alto mandante, o General Emilio Garrastazu Médice. Seu governo foi considerado o mais repressivo do período, conhecido como “ anos de chumbo “. A repressão à luta armada crescia e uma severa política de censura havia sido colocada em ação. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, e outras formas de expressão artística foram censuradas. Muitos, políticos,
músicos, artistas e escritores foram investigados, presos, mortos, torturados ou exilados. Foi nessa época que criou-se o Doi-codi (Destacamento de Operações e Informações ao Centro de Operações de Defesa Interna)



Na época e da maneira como foi contada me pareceu assim:
-Nada, menininha- o mocinho matou o bandido.
Eu não sabia dessas coisas de ditadura, nem grupos “extremistas” que se formaram para combater esse regime destruidor de almas e suas expressões “não convencionais



Quando soube de tudo, desde o golpe de 64, um ano antes no meu nascimento até o AI-5, já no regime Geisel em 78, e junto a isso, tudo que esses anos representaram para os “não comuns”, me senti meio enganada.

Como meu pai, carregando tantos genes “anarquistas” não fez nada contra tantas crueldades? Como pôde achar normal um terrorista morrer, como pôde chamar um homem com um ideal de terrorista?


Não é cabido julgar, esse foi um padrão dele, foi o instinto de proteção por tudo que lhe foi contado, e pelas seqüelas destes danos que a infância deixa.
Penso em meu avô, e como ele talvez quisesse compensar todo sofrimento, não só dele mesmo mas de toda família deixada para traz, cuidando como um militar do seu novo rebanho que nascia num Novo Mundo.
Hoje entendo ainda mais a grandeza do meu pai, que mesmo tendo tantas células “esquerdistas” colocou-as adormecidas para, assim como meu avô também nos poupar. E poupou.
Só entendi o que realmente aconteceu nos bastidores do planalto, no momento da minha infância, muito tempo depois.
E não foi através da escola também “ditatoresca’ que cria as histórias assim como convém seu sustento. Mas em filmes, livros, músicas, fatos e relatos de pessoas que conheci.


E foi através dessas histórias e seus personagens, banidos do País. banidos de si mesmo, ao cortarem caules verdes que brotavam de suas almas, que entendi que a história sempre se repete, até o dia afinal, que possa ocorrer uma explosão tal qual houve em minha própria vida, mas isso não há de ser nem é possível; a explosão real de todos no mesmo segundo.
O que podemos fazer é acelerar esse processo para ajudar quem vem depois. Pois o mundo é ao mesmo tempo um palco atroz e fascinante.

(E penso que é exatamente graças a este cenário engendrado tão torto, por genial artimanha de algum poder invisível, que cada ser humano carrega um imenso potencial de se perceber, e se enxergar , porque a partir desse instante tudo que você quer Amor, é o crescimento constante de cada um de seus semelhantes.)

E a vida com seus sofrimentos, misérias, doenças, guerras e preconceitos de todas as qualidades, é afinal um caderno escancarado com todos os ensinamentos. Alguns lêem primeiro, outros demoram um pouco mais, alguns são “analfabetos”, outros eternos penitentes, mas se cada um que já o leu, estender a mão para outro alguém, haverá por certo um processo mais acelerado. E quem sabe um dia, um mundo mais sensato.




quarta-feira, 9 de maio de 2007

Insônia



Longo dia de insônia
O pescoço tenta sustentar a cabeça
A cabeça pende, nada além do vazio
Um branco absoluto, e esse medo, esse frio

Se na noite insone não dormimos
No dia insone não acordamos
É um dia catatônico, sem luz
Sombras alheias nos conduz

Longo dia sem despertar
Mente sem abecedário
Corpo ausente, sem lugar
Surdez de peixe no aquário

(Vivian G.)

Hemorragia


Cortei profundo um pedaço da minha pele.
O sangue aprisionado em mim, fez esse pedido.
Antes expulsei do corpo qualquer fibrina; plaquetas, leucócitos e hamáceas.
Perigosos armistícios coaguladores poderiam ser engendrados agora.
O sangue tinha que vir..
Quando senti o sangue escorrendo, chamei todos meus sentidos.

Cada um explicou como via esse movimento.

A Visão muito objetiva, disse racionalmente:

“A visão que tive no primeiro instante do esparramar do sangue é que ele era de um vermelho brilhante. A visão que tive momentos depois foi de uma outra cor escura misturando-se ao vermelho.Meu olhar final, constatou a total ausência do vermelho,
já não era mais sangue enfim. Era só um liquido pesado, cor de nanquim.

O Olfato foi o segundo:

“O que senti no primeiro momento foi um aroma de sangue natural, um aroma forte e vivo.
No momento seguinte senti cheiro de água estagnada, um cheiro dividido entre o acre e o doce. Senti por fim, um cheiro de algo putrificado, um cheiro de incineração, de água parada, o aroma do sangue se esvaiu, ficou somente o cheiro podre de um rio.

O Paladar veio em seguida:

“Quando o sangue começou a jorrar, coloquei meu palato ali, senti um gosto seleto, de sangue fresco e correto.No instante da segunda degustação, senti um gosto de fel, aos poucos se misturando. Quando já muito enjoado, tentei provar mais sereno, o que senti foi um gosto de veneno”

A Audição mais sensível, expôs sua tese baseada em sons invisíveis só inteligíveis por ela:

“À primeira explosão do sangue, ouvi gritos aliviados, percebi a velocidade, porque ouvi a agitação. O segunda murmúrio que ouvi foi de imenso pesar, ouvi choros e lamentos conformados.O que ouvi ao final eram berros e sons de desespero, de despejo, de fúnebre cortejo.

Não entendi tanta erudição, esqueci o “tato” e chamei meu melhor sentido; a Intuição.

Ela explicou assim:

“O corte eu mesma fiz, ele era o passaporte...”.
O sangue que veio primeiro foi seu sangue saudável, porém já corrompido pelas células negras, implantadas em você por “algo desconhecido”
As células estavam pelo corpo todo, quando as obriguei a entrar na corrente sangüínea, se sentiram ultrajadas, mas foram sem muita luta, eram aquelas mais fracas.
As que estavam em sua mente e em seu coração, estavam em total apego, gritavam desesperadas , tive que arranca-las à faca, fugiram todas decepadas por suas veias,
e estão agora, do lado de lá.”

A intuição foi até a geladeira e me trouxe um suco de laranja.
Beba isso todos os dias, um novo sangue está brotando.

Olhei para meu corte: coagulando...