sábado, 9 de junho de 2007

Fragmentos da Menina da Lancheirinha

Não tenho muitas referências desse primeiro dia é como se fosse “uma foto em negativo”, dele só tenho as emoções e algumas pequenas cenas que marcaram.
Havia um menino mais desesperado que eu, eu estava ao menos quieta, ele se contorcia e tentava chegar até a porta,
as tias o seguravam, tentavam acalmá-lo, mas ele não escutava nada, gritava que queria sua mãe, chutava cadeiras e chorava sem parar.
Sei que eu não me importava com nada à minha volta, nem estava preocupada com que outras crianças achavam
de mim, pelo fato de saberem que minha mãe estava lá. Não importava parecer medrosa, nem bonita, nem simpática, não me importava nada.
Lembro que minha mãe depois um certo tempo me acenou, como dizendo- Estou indo, logo mais volto pra te buscar. Fiz um sim com a cabeça, estava estranhamente mais calma. Descobri depois de muita observação, um mecanismo
para me confortar.
Eu não precisa “ser”, só precisava “estar’. Foi a resposta que encontrei. Isso foi a definição que dei “ao ato de ter que ir à escola”. Se já tinha tudo que queria em casa, se ali era meu mundo, ali estavam as pessoas que eu amava, os amigos de todas cores e sabores, todos os cantos mágicos onde eu brincava, se já tinha tudo isso e não sentindo falta de
mais nada, eu poderia sim, e porque não? Estar na escola sem me mostrar, sem ser, sem querer, sem desejar ou esperar nada...
Estava ali porque todas as crianças precisavam estar. Mas se eu precisava estar, estava, e estando era o bastante pra mim e também deveria para meus pais (quanto a eles me enganei). O resto eu já tinha em casa, não desejava nada além.

Então a escola passou a ser apenas quatro horas de “não ser”, apenas “estar”. E assim, mesmo sendo quatro longas horas, mesmo sendo um momento de tédio e saudade, eu não sofria mais, não sofria pelo simples fato que nada desejava ou esperava dali.

(Amor, os desejos quase sempre são os geradores principais dos grandes sofrimentos, assim nos diz a poesia, literatura, religiões, filosofia e até a ciência. Eu não tinha essa sabedoria, mas tinha o instinto e a intuição, era mais sábia, antes, que agora....Só eu sei o quanto sofri depois, por tantos desejos afoitos que precisava realizar...)

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada pela observação.
Quis atribuir ao sentimento:

indIviso - que não se divide.

Veja que sorte! mais um espaço belíssimo que encontrei. :)