domingo, 29 de abril de 2007


O Sonho Australiano (contos)



A mãe estava com as malas prontas pra embarcar pra Espanha, tudo premeditadamente
organizado; apartamento, colégio pro filho, papéis e vistos de trabalho, tudo arrumado. O pacote do sonho hispânico estava finalmente pronto, depois de anos ela conseguiu fazer com que a empresa que prestava serviços esporádicos, finalmente a contratasse, e melhor, seria gerente geral de produtos e lojas, o salário? Astronômico. Ela sabia; eles precisavam dela.
Havia um pequeno problema:
- Mãe! - Eu odeio a Espanha, eu não vou!-Quero ir pra Austrália, quero ter um canguru!
-Filho, mamãe falou há tempos, você tem 13 anos e não tem escolha vai comigo e pronto, vai amar a Espanha!- Já falamos muito sobre isso!
-Detesto a Espanha, detesto essas coisas velhas, prédios velhos, na Espanha todo mundo é velho mãe!
-Você mal conhece, foi uma vez, e era um menininho.
-Mãe não vou!-Vou ficar na casa do Vovô.
-O vovô também é velho...
A mãe não lhe deu ouvidos, ele iria com ela e pronto. Sabia que no fim, ela sempre cedia.
No dia do embarque eram duas almas na contra mão, a mãe exultante, o filho funesto.
No avião um pouco de paz, o menino sentado na janela via nuvens “de cangurus” por todos os lados, via aborígines com bumerangues nas mãos, via o mar, menininhas lindas surfando nas praias de Queenland......Num solavanco do avião mudou o foco, sua mente inverteu-se para a realidade e viu arenas com touros sangrentos, estátuas de reis usurpadores, catedrais assustadoras, ruínas de castelos árabes, e velhos, muitos velhos. Quis chorar, mas esforçou-se e tentou dormir.
Quando o avião aterrisou no aeroporto de Barajas em Madrid. O menino sentiu-se descendo para uma masmorra secular com velhos pendurados por correntes, velhos comendo ratos, velhos loucos andando em círculos. Já estava ali, não havia jeito.
O táxi os levou para um pequeno apartamento do bairro central “Puerta Del Sol” onde ficava o escritório que a mãe iria trabalhar. Despachou-os correndo, não podia parar ali, a Calle Carmen onde ficava o apartamento era uma imensa calçada só para pedrestes, levaram as malas imensas por 200 ms, o menino lembrou que antes de irem pras masmorras os velhos que não eram tão velhos e faziam serviços pesados.
Chegaram, tocaram a campanhia do pequeno prédio e um senhor de uns 80 anos abriu.
-Si?
A mãe explicou que era a nova inquilina do 31, mostrou os papéis e o velhinho os fez entrar.
-Tendrán que subir por las escaleras, el acendedor está roto....Disse, dando as costas.
-Roto mãe? –que quer dizer roto?
-Quebrado filho.
-Três andares de escada com toda essa bagagem? Nem pensou em pedir ajuda pro velho, qualquer frasqueira o faria esfacelar-se....
Subiram. Depois de 3 viagens, chegaram mortos, a Mãe por um momento pensou nas praias da “Gold Coast” e nas modernidades australianas.
O apartamento era bom, tinha uma varanda para a rua de onde podiam ver a estátua do urso alcançando a maçã; símbolo de Madrid.
-Olha o urso filho!
-Quem liga pra ursos? - quero ver um canguru, um coala, um demônio da Tasmânia!-quero ver praia, pessoas bonitas, aborígines, aqui tudo é velho mãe!
-Amanhã te levo pra passear no bairro moderno, vai ver que nem tudo é velho aqui.
-E olha essa tevê! –nem canal a cabo tem!
A mãe queria estourar, mas controlou-se, imaginava mesmo que os primeiros dias seriam difíceis, mas tinha esperança que com o tempo ele iria se acostumar...
E o tempo passou. O menino começou na escola e detestou:
-Mãe essa crianças da Espanha são chatas, só falam em futebol, e as meninas pensam que já são velhas, usam batom e laquê no cabelo!-mãe estou num pesadelo!
-Filho estou trabalhando!- vai tomar uma orchata e traz uma pra mim.
-Detesto orchata queria uma água de coco.
-Filho agüenta um ano, nas férias vamos pra Austrália. Prometo!
-Um ano mãe! –até lá vou estar com rugas!- aqui todo mundo tem rugas!
Nada adiantava, a mãe nos fins de semana o levava pras cidades das redondezas, Ávila, Segóvia, Toledo...
-Agora entendo esses caras do eta!- jogavam bombas pra fazer um país mais moderno!
-Não aprende nada nas aulas de história?
-Sim, sei tudo sobre a dinastia Habsburgo,a invasão dos mouros, a descoberta das Américas, onde idolatram Pizarro e não falam nada que roubou o ouro dos incas!
-Ai Meu Deus!
O tempo passou mais um pouco. Federico, um menino da escola, o chamou pra fazer parte do time de futebol, afinal brasileiro é brasileiro.
Ele foi meio contrariado mas foi, em pouco tempo era o capitão do time, todos o chamavam de Ronaldiño. Tornou-se popular.
Pilar uma vizinha linda, embora tímida, um dia criou coragem e perguntou de onde ele era.
-Brasil.
-Verdad ? A mí me gustaría conocer Brasil.
E conversa vai conversa vem começaram uma amizade, Pilar mostrou-lhe os pequenos lugares mágicos de Madrid, nada como uma guia local. “Pensou ele”.
Levou Pilar e a Mãe pra ver a final do campeonato na escola. Fez 3 gols. Ganharam.
Deram duas voltas pelo campo segurando “Ronaldiño” pelos braços!
A mãe ficou encantada
Pilar mais apaixonada.
A escola ganhou o campeonato. Tornou-se um ídolo por lá.
Chegaram as férias, hora de ir pra Austrália.
Não negou, mas foi meio contrariado. E Pilar? E os treinos? E a viagem de férias com os amigos pra esquiar na Itália?
No avião ficou mudo de novo, consolou-se com as nuvens rosas do fim de tarde. Viu Pilar sorrindo pra ele, viu a bola e viu o gol. Viu o Caminho de Santiago, mesmo sem nunca ter visto, ele e pilar combinaram ir pra lá quando tivessem 16 anos.
Num solavanco sua mente desviou o rumo, viu as menininhas de Queenland, nenhuma deveria ter os olhos de Pilar, viu os aborígines com bumerangues na mão. Já preferia as espadas de Toledo. Viu os cangurus...Alegrou-se. Tinha um plano, faria a mãe comprar um canguru e voltariam pra Espanha. Dormiu feliz....

fim