sexta-feira, 20 de abril de 2007


(Fragmentos da Menina da Lancheirinha) Mamãe

Minha mãe e sua aparência física é quase uma incógnita para mim. Quando criança ao olhar pra ela, percebia que não era um mulher linda, não tão bonita, quanto achava meu pai, nem um simples traço que lembrasse a beleza nas fotos antigas de minha avó.

Minha mãe, entre os quatro filho, acho que foi a única que herdou traços do meu avô,como a boca fina demais, os olhos tristes, embora verdes, como quase toda família. Também projetava um nariz agressivo, pequeno e muito fino, sua altura também não ajudava muito, um metro e cinqüenta.
Digo que sua aparência era uma incógnita porque algumas vezes olhava pra ela e via a mulher mais linda do mundo, via uma Elisabeth Taylor jovem, e muito mais bonita.
Um dia quando seus primeiros cabelos brancos apareceram , cheguei em casa e encontrei uma mãe loira. Nunca mais então tive aquela visão de musa. Algo havia saído do seu lugar.


Minha mãe como eu disse não era muito carinhosa, mas eu queria seus carinhos e quando queria muito sabia como conseguir, não era sempre, mas às vezes eu queria tanto que inventava uma dor, um queda, ou qualquer história pra me vitimizar, quando ela não entendia, quando minhas palavras não bastavam pra alcançar meu objetivo, eu corria chorar atrás da poltrona vermelha da sala de estar, aí sim, ela vinha:
-Que foi amor?
E me dava finalmente seu colo. "Aprendi que atrás da poltrona vermelha é que estavam escondidos os abraços da minha mãe."


Eu lembro de momentos eternos, digo eternos porque quando você os têm, no momento que sente, você pensa “Este Momento Será Eterno” , claro que não pensa exatamente assim, mas sente....Existiu um momento precioso demais em minha infância, que veio tão desregrado que tenho que parar pra pensar.


Foi o momento que descobri o quanto amava minha mãe e quanto carinho e cuidado tinha por ela, foi assim, ela estava dentro do “Armarinho-que-ficava-debaixo-da-escada” eu estava passando e a vi, fiquei espiando o que fazia.

Ela procurava uma lâmpada; lá era uma espécie de depósito, então achou a lâmpada olhou pra ela e a chacoalhou....
Hoje sei que se chacoalha uma lâmpada pra ver se está quebrada, mas naquele dia, não sabia. Não sei por que está visão me marcou tanto. Se fosse possível expressar o que senti numa frase diria assim “Nossa, eu amo imensamente essa pequena mulher que chacoalha a lâmpada”


É fácil metaforizar isso de várias maneiras, livros, idéias, lâmpadas....Mas o que senti naquele dia não foi pensado, foi só uma explosão espontânea de amor profundo por um ser...




Quem é Ela


E alguém perguntou:
-Quem é ela?
E ninguém soube responder
Porque ela é indefinível
É um desenho de menino
Ânfora perdida da Atlântida
Cheiro de aurora boreal
Sereia abissal

E alguém insistiu:
-Quem é ela?
E ninguém ousou definir
Porque ela é um ser entre-mundos
O coração de um arco-íris
Luz de boitatá
Espinho da flor de lótus
Consciência dos fótons

E alguém mentiu:
-Eu sei quem é ela!
E todos quiseram saber
Porque ela é inexistente
Vive no sol poente
Caminha na minha mente
Miragem de um louco
De tudo que não há, um pouco

(Fragmentos da Menina da Lancheirinha)
Eu e meu Irmão
Quando penso na rua das Hortências-86, tenho que pensar muito no Lalo, mais do qualquer outro lugar, pois essa foi a época que realmente convivemos, trocamos e ensinamos um ao outro, experiências e interesses que passaram a ser dos dois, embora, quem nos veja hoje, diga que somos parecidos fisicamente, no quesito “personalidade” sempre fomos opostos, por isso havia uma boa troca, uma infância extremamente criativa recheada de muitas brigas....

Opostos são elementos incríveis para a “experiência da convivência”, éramos opostos em tudo , até nos signos, eu, escorpião , ele touro, eu fechada, ele aberto, eu intensa, ele plácido, eu profunda, ele um lago...

Tantas diferenças nessa época, fizeram o jardim das nossa delícias, brincávamos tanto que passamos a incorporar elementos um do outro, pegamos nessa época, o melhor de cada um e formamos um par que passou a ter os mesmos gostos, os mesmos amigos, (apesar dos seus 4 anos a mais) e a necessidade do outro para compreender certas brincadeiras que eram só nossas.
Adorava acordar bem cedo nos fins de semana quando ele não ia à escola porque sabia que já estaria na sala brincando com alguma das nossas criações especiais.
Foi o que já falei antes amor, tínhamos um dom inerente de brincar com os objetos, não da maneira certa, mas recriá–los. Como disse "brincávamos do avesso"

O óbvio nunca nos contentou, figurinhas não eram coladas nos álbuns, mas sim personagens e seres , se fossem de carros, fazíamos uma cidade, com lojas, estradas e trânsito, se fossem animais fazíamos uma floresta, com reinos, mundos mágicos, história e contexto. Sempre cada um era um personagem, a primeira pergunta que eu ou ele sempre fazíamos antes de qualquer brincadeira era:
-Você vai ser quem?


Nossas brincadeiras favoritas eram os carrinhos de ferro, brincar de “hominho” (forte-apache) ou Arfix, (bonequinhos diminutos, que quase ninguém conhece) “bichinho” onde com centenas de animaizinhos de plástico, criávamos um universo insólito, poli e ministeck. Estes dois últimos são brinquedos tipo Lego de antigamente, só que ao invés de fazermos casinhas ou brincar com as formas, fazíamos personagens e criávamos o conteúdo, era isso Amor.

Eu e o Lalo, queríamos conteúdo, aventuras, histórias, não brinquedos de montar, figurinhas de colar, etc...
Também brincávamos sem brinquedos. Nós éramos os brinquedos de carne e osso, mas sempre com um enredo, sempre com personagens.

Como o “só nós”, o melhor era brincar de escalar as paredes do corredor que ligavam os quartos. Esse corredor tinha um pé direito altíssimo, colocávamos o colchão da cama da minha vó embaixo, e escalávamos até o teto, com uma perna em cada parede, bem, eu chegava até o teto, ele não se arriscava tanto, e de lá nos jogávamos naquele mergulho delicioso ao colchão. Era delicioso demais, mas, essas brincadeiras do “só nós” sempre acabavam quando minha vó
chegava...

Ela não gostava de coisas tão malucas, nessas horas dizia:

-Hilárinho! Olha as coisas que você ensina pra sua irmã!

Mal sabia ela, que muitas dessas coisas eu que ensinava



(Amor, o Lalo foi para minha infância, um Dom Quixote e um Sancho Pança. Nossas aventuras eram tão inquietantes , e únicas...Éramos tão unidos. Mesmo quando me batia e eu corria chorar em algum lugar, não durava nem cinco minutos, pra voltarmos às brincadeiras, na verdade seus soquinhos nunca doeram demais. Eu compreendia naquela época que as brigas são também o avesso das brincadeiras, depois perdi esse talento. Depois da tragédia ganhei quase tudo e perdi quase todos...Todos que realmente interessavam...)

quarta-feira, 18 de abril de 2007


(Fragmentos da Menina da Lancheirinha)
Os Pintinhos Coloridos

Vovó de manhã, antes dos meus pais chegarem me levava pra todo lado. Amava ir com ela ao supermercado.
Subíamos a ladeira tênue da rua das hortências-86 , e virávamos à esquerda na rua das Orquídeas, onde ficava o mercado, lá eu colocava no carrinho tudo que queria, vovó tirava algumas coisas, por isso eu sempre colocava mais do que realmente desejava.
Uma vez o mercado fez uma espécie de promoção, se comprássemos uma quantidade de alguma coisa, ganhávamos pintinhos coloridos, eu quis. Vovó pensou, mas não negou, peguei um verde e um rosa, o verde pro meu irmão. Imagine Amor, acho que só porque estava com ela é que escolhi o rosa..

Os pintinhos fizeram minha festa por uma semana, depois morreram, eu não vi esse momento obscuro, simplesmente uma manhã disseram que morreram, eu perguntei onde estavam enterrados:
-Coloquei no lixo. Respondeu dona Geralda. Vovó ficou quieta.
Eu tinha que ver o pintinho morto... Amor, esse foi um momento terrível...Até hoje não compreendo como puderam fazer isso, mas eu vejo a cena como se fosse hoje havia me esquecido.
Fui para o quintal e abri a tampa da lixeira de metal...Amor, o pintinho rosa ainda estava vivo! Agonizando...
Fiquei muda, nunca questionei isso: “Pessoas são às vezes cruéis e podem surpreender”.
Foi um alface que plantei contrariada no “pomar das minhas recordações”. Vovó não poderia ser cruel.
(Os nossos mitos, Amor não podem falhar, quando falham, fingimos não ver, ou perdemos o mito. Hoje sei que não devemos ter mitos e, além disso, entender que todos falham, invariavelmente. Todos tem os seus motivos, todos “temos” nossos maus momentos, não nos cabe julgamento)

E eu queria minha vó mesmo que tivesse matado todos os pintinhos do mundo! Era uma menina descobrindo o mundo...Minha menininha...Em que fiz você se transformar?

Tentações de Santo Antão




















-Ele disse:
Está sendo testada pelos Deuses!
Eu pensei
“Estou sendo testada pelos Deuses”
“Tentações de Santo Antão”
Há cada movimento
O tormento de não saber
Quem ou o que escolher
O que é certo, o errado o que é?
-Pergunte pra sua alma!
“Calma”
Não é tão fácil assim
Caminhos tantos
Tantos, parece nenhum nesse contexto
De tentações
Tentações de Santo Antão
Só podia ser obra de Bosch
O que fazer Antão?
O que fez você?
Santo Atanásio é que responde:
“Confrontou-se com demônios”
“Demônios de todos os planos”
E sobreviveu!
-Santo Atanásio, com respeito,
com demônios confrontei-me a vida toda.
E sobrevivi.
Hoje certamente está no céu.
-Não sabe de fato?-Não é Santo também?
-É grande o céu...
“É grande o céu”
-Foi então para o deserto.
-Todos vão para o deserto...Devia ser o que tinham por perto...
-Cruzou o Nilo, e viveu nas montanhas.
-Depois de 20 anos só, passou a ensinar outros monges.
-Ensinar o quê?-O que se aprende sozinho?-O som dos passarinhos?
-Depois foi para Alexandria, lutar contra o paganismo.
-Atanásio!-Chega por hoje.
“Atazanando vem de ti?”
-Que Santo Antão me perdoe,
Prefiro Olimpo que o céu.
Pagãos a cristãos.
Companhia a solidão
Confrontar Deuses é mais saboroso
Que lutar contra demônios.
Cada Deus, uma canção..
Vem aprender comigo “Antão”

terça-feira, 17 de abril de 2007

O Jardim De Tulipas


Eu estava só num jardim de tulipas,

Não havia nada além de tulipas...

Um campo imenso, rubro sob um céu escarlate que se misturava com as flores formando uma paisagem de sonhos...Eu também estava vestida de vermelho, e por dentro sangue....

Podia sentir o gosto do sangue que jorrava por todos os lados do meu coração, cobrindo qualquer outro órgão, que não havia mesmo porquê existir...
Você, não estava ali... E eu sabia que ninguém além de você, seria capaz de me tirar dali, estava certa agora, depois de tanto tempo, que nem os Deuses, talvez por não quererem, talvez por não saberem, jamais me trariam outro amor...

Nesse instante compreendi que nosso amor foi talhado por finas mãos divinas, formando uma escultura tão perfeita, que não havia como a vaidade da divindade, quebrar essas algemas...
E assim seria minha vida terrena, só sem você, eternamente...
Porém não havia sofrimento, havia o contentamento de amar alguém assim...
E então apareceu do nada, três criaturas bizarras... Pude saber que eram as Moiras encarnadas a tecer o meu destino... Soube através de uma abelha sem asas, que sentada em meu joelho me contou onde estivera:
-Estive há pouco ali entre elas, entre a roca e a tesoura.-Vi Cloto a que tecia, rir e chorar ao ver o fino fio do seu destino que estava em suas mãos. Sabia que era o fio do seu destino porque pude ouvir seu nome entre os gemidos lancinantes que as três velhas pelos Deuses empregadas, ali muito alarmadas deixaram escapar.... Cloto a que tecia não entendia por que de repente o fio que nasceu da roca, no começo normal, de repente se transformava, e em um novo tom se mostrava, um tom de um vermelho carnal:
-Não entendo. Disse Cloto com sua voz rouca esganada-Em todos destinos que fiz não encontrei nenhum assim...-Nasce fino como o sopro do vento, mas aqui, onde quase arrebenta nasce um pequeno fragmento, vermelho, forte como um fio de cobre, que diria ser de cobre se não sentisse o cheiro de sangue misturado com jasmim...-Nunca vi um fio assim...

-Láquises a que segurava o fio por ser mais sabia explicou...-A vida dessa mulher abruptamente mudou de rumo... -Vê aqui, onde muda de cor? -Foi aqui, nesse instante que descobriu o amor... -Mas que amor è esse? Brandiu Cloto indignada -Já teci tantas vidas, de tantos amores intensos, verdadeiros e sinceros, este não é normal deve ser coisa de Eros... -Já tive nas mãos o destino de tantos; Tristão, Isolda, Abelardo, Heloisa, já tive Dante e Beatriz, tive Pedro tive Inês, mas nada como este parecido! Pelos Deuses do elegido, que terá acontecido?

Átropo a que cortava, segurava a tesoura e nada dizia, mas pela primeira vez pude ver que sua velha mão tremia...

-Bem, não há nada a fazer, esse fio do outro mundo esta finalmente cerzido, nossa missão para com esse destino há de acabar na tesoura de Átropo, tome tu ó própria morte, vamos!-Esse fio enfim corte!
E então na vasta imensidão do campo de tulipas,ouviu-se um berro sincero, vindo de dilacerada voz, ébria de medo e aflição e da boca de Átropo ecoou decisivo...
-Não! -Não ouso cortar esse fio, nem ousa minha tesoura, já viram algo assim?-Um fio de sangue com aroma de jasmim? -Do alto os Deuses nos vêm, e se vem deles essa obra não serei eu a destruí-la...-Prefiro cegar a tesoura, prefiro por vocês ser banida a sequer me aproximar de ceifar esta vida...
Cloto ficou indignada:
-Não compreende que há a lei? -Quantas vezes minha roca tecer, quantas vezes Láquises medir, sua tesoura há de cortar...-Não entende que é assim o destino dessa gente? -O que a faz tão demente?
-Se a questão é cortar, corto as asas dessa abelha, que nos ouviu o tempo todo sabendo o quão é proibido e sempre há de ser...Ver o nosso trabalho...Tecer, medir e ceifar, ceifar, medir e tecer...


-E numa só tesourada fez sumir minhas asas e assim cai no chão morta de dor e tensão... E vim aqui te contar que nunca mais vou voar, porque o fio do seu destino era assim nem sei como, tão importante, que preferiram fazer pelo resto dos dias uma abelha rastejar que sua vida cortar.....


Eu então olhei pra abelha, mas não fiquei compadecida, nem fiquei aliviada.... Sabia que quem salvou minha vida... Foi você, mais nada....

segunda-feira, 16 de abril de 2007

"Anti-Prece"


Desprezo mestres e sacerdotes de qualquer religião
Que usam fantasias e alegorias, e não o coração

Desprezo padres com seus vestidos brancos ou pretos
Conforme a premissa da missa
Cardeais avermelhados com "falos" na cabeça
Madres e freiras que só mostram o rosto de um corpo velado
E se esquecem que Jesus morreu na cruz, quase pelado


Desprezo monges budistas e jainistas com vestes de cetim vermelho e cabeça raspada
Era entre trapos que Sidarta mostrava, sua alma iluminada

Desprezo os pais-de-santo que colocam uma capa preta pra dizer “eu sou Exu”

Desprezo os mestres espíritas que só se vestem de branco
Como se a cor levasse ao céu
Kardec só chegou a isso, quando entrou em seu próprio carrossel


Desprezo os swamis hinduístas com e seus colares floridos sobre um manto ocre quase cru
Shiva e Krisnha mostravam somente a pele Azul...


Desprezo os rabinos que pensam que barba, kipá e a leitura do torá
É o que agrada Salomão


Desprezo muçulmanos que escondem suas mulheres com hijabs e defendem seu alá
A ponto de matar...


Desprezo os tais pastores evangélicos, com seus ternos armani
E a maneira como aprendem com experts, o tom de falar sempre igual


Desprezo os mestres daimistas, filhos de Irineu
Que somente fardados cantam seus hinários
Acham que a sem a farda não encontram Deus


Desprezo sim sacerdotes wiccanos que só usam preto e no pescoço um pentagrama
A Mãe Terra que tanto amam, é o azul do céu, o branco da lua, o verde da grama...


Desprezo enfim o desejo que há em mim
Ou em qualquer ser humano
De expressar a fé, e mostrar um coração.
Através de fantasias, patuás
E a arte da decoração



O Amor está dentro, e não além
A Liberdade é meu amém...


(Fragmentos da Menina da Lancheirinha) Imagens e Perguntas


Sim, para mim, nessa época tudo era interessante, me entregava por inteiro a cada nova pequena descoberta, cada objeto, história, bicho, inseto, som. Toda impressão me impregnava, algumas apenas passavam. Eram entendidas mas por não fazer parte dos elementos que eu julgava imprescindíveis deixava-as ir. Outras me cativavam a tal ponto que entraram e se juntaram ao ser que eu era, para como pequenas sementes, crescerem em meu jovem e fértil terreno interno. Dessas coisas, essas, que nos cativam ao primeiro encontro posso definir; os livros e suas imagens, um gravador com cassete, "a vitrola nova", papel e lápis, e a mais fascinante, e relevante; “perguntar”.
Eu não sabia ficar sem respostas, nunca soube, perguntava sobre coisas, histórias e pessoas, e ia gravando tudo em minha mente. Tenho em mim, cada história intensa, ou banal que ficaram marcadas no meu imenso banco de dados.
Mais tarde, principalmente depois da tragédia, minhas perguntas foram ficando mais constantes, mais intimistas, mais insistentes, aflitas...Queria saber, necessitava saber, o que as pessoas pensavam de mim... Isso é peso demais pra uma criança; foi o primeiro abuso que a tragédia me causou...

(Logo mais essa minha obsessão, vai mostrar sua origem, e tudo vai parecer muito claro, tudo é claro meu amor... Tudo! )

Shiva



Shiva, Shiva,
Meu amor, meu destruidor.
Shiva, Om Nama Shivaia
Shiva não vá, ainda não...

Por que me trouxe de tão longe?
Pra esse reino azul, pra sua pele azul, por quê?
Sua canção colocou ouvidos no meu coração.
Shiva, Shiva, isso não se faz não...

Om Nama Shivaia
Seus olhos têm tantas janelas.
Por que me prendeu neles, e fechou todas elas?
Como vou sair, daqui...
Me solte ou não vá, não vá.
Shiva..não vá...

Oh não vá Shiva, não vá...
Você já me destruiu...e estou tão feliz
Estou por um triz, por um triz de tão feliz!

Sonhei tanto em amar você no Ganges,
Vi devotos do nosso amor, jogando flores de todas as cores azuis,
No mar onde navegamos nosso amor serpenteado,
Seu corpo quando ama fica dourado, eu quando morro ardo...

Essa serpente em seu pescoço
Essa serpente era eu, como um colar
Te envolvendo , te mordendo, te esmagando
E você morrendo sobre seu próprio mar....

Milhares de portos pra atracar tanto amor...Tanto amor.
Cobri o seu corpo de beijos até o momento supremo.
Que do alto do firmamento, apareceu um lamento do resto do mundo.
Como um grito de tédio a reclamar.
Todo vinho, todo vício, todo amor que eu roubei só pra te dar.
Pra te seduzir, te enfeitiçar...

Shiva, sonhei tanto...
Não sabia o certo, nem o errado.
Sonhei que eu era sua Parvati.
E entendi que era só uma parte.
Da sua rota divina
(Mas eu já estava em sua retina)

Por isso pedi, me destrua!
Sou sua, já sou sua!
Você me amou naquela noite
Chorou quando amanheceu,
E sem hesitação.
Destruiu-me e esvaeceu...

Nataraja vem!
Shiva Nataraja vem!
Vem me reconstruir!
Nataraja vem!

E dançando com seu Damaru.
Você, com outro nome voltou.
Pegou o pó que restou.
Trouxe pro Novo Mundo.
E aqui me plantou em solo mais fecundo...

Calma Shiva, Shiva calma...
Vou crescer em um segundo...




-Ela não era definitivamente uma mulher como as outras.
-Porque não? –O que tinha de especial?
-Olha só...


Cavalo-Marinho Cor-de-Laranja (Contos)

-Saco!-Existem sim...
-O que existe?
-Cavalos-marinhos cor-de-laranja, estou desolada...Hippocampus safados!
-E daí?
-E daí cacete? – E daí que falei pra uma amiga que não existiam e existem.
-Qual a diferença?
-Total!- Fiquei de dar a ela um cavalo-marinho laranja, porque pensamos que não existissem, mas existem olha aqui na internet, laranja como uma manga!
-Como daria se não existisse?
-Aí é que vem o melhor, dar a alguém algo que não existe!- Entende?
-Já deu algo que não existe a alguém?
-Diversas vezes.
-Péra aí que vou pegar uma cadeira, o quê por exemplo?
-Tantas coisas!-Difícil pensar agora.
-Fala uma!
-Agora não dá cara!-Preciso procurar alguma forma de achar um cavalo marinho que não existe, embora exista .Beijo.
-Péra!
-Quê saco!
-Depois me dá uma coisa que não existe?
-Sim, o quê?
-Hummm.-Uma borboleta que cante!
-Mais fácil, combinado, beijo!
-Beijo, doida.
E ela foi, perdida entre lampejos desestruturados de derrota, não poderia dar algo que já existisse, poderia sim falar com a amiga, mas ela não era mulher de voltar atrás, precisava dar a ela um cavalo-marinho laranja que não exista, sendo que existem. Sentiu-se de repente dentro de um conto zen budista, isso era um koan, uma pergunta sem resposta, “mas segundo os mestres, nenhuma pergunta é isenta de respostas”. Pensou.
Uma luz veio a sua cabeça, resolveu procurar um mestre zen, sim, lembrou-se de sua época de estudante gnóstica e da terrível pergunta sem nexo que devastou sua mente por meses, meses de noites insones, até que desistiu:
"Qual o som de uma única mão que bate palmas?". “Ah, que pergunta besta! Sei que não entrei em estado de Shamadi nenhum , nem tive iluminação alguma, nem deixei a mente branca, sei que essas noites foram um saco!”
“Se desisti antes, agora não vou desistir, talvez seja uma prova de Budha! Vou procurar um mestre Zen. Na liberdade será que tem?” .
Antes se lembrou de uma amiga que fazia parte de um grupo zen ou algo assim, ligou:
-Leonor?
-Oi amiga, que manda?
-Leonor preciso de sua ajuda, você não me disse outro dia que fazia parte de um grupo zen ?
-Que?- não!- Faço jiu jistu!
-Mas é tudo meio igual né?
A amiga riu:
-Nada a ver, jiu jistu é uma arte marcial, mas vem cá, pra quê você quer um grupo zen?
- Não quero um grupo zen, tenho horror a isso desde a gnose, quero um mestre zen!
-Você que tá engajada nessas orientalidades sabe como eu posso achar um?
-Hum...dexavê...-Ah, meu mestre deve conhecer algum grupo, vou perguntar pra ele, tenho aula amanhã.
-Não Leonor!-Você não tá entendendo!-Preciso de um mestre zen agora!- Ontem!
-Mas porquê criatura? – Que aconteceu?
-Uma hecatombe em minha vida!- Me dá o telefone desse seu mestre de jiu jitsu.
-Olha só, você sabe que eu paquero ele, vê lá hein?
-Ah dá logo! –Sabe muito bem que esses fortões não são minha praia!
-Sei.-Peraí , 5674555, anotou?
-Beijo!
Ligou.
-Alô?
-Oi é o Otaviano?
-Sim?-Quem é?
-É uma amiga da Leonor, sua aluna, preciso da sua ajuda, preciso urgente de um mestre zen!
-Que Leonor?
“Cacete”
-Leonor sua aluna de jiu jitsu!
-Não lembro, são muitos alunos, mas porque precisa de um mestre zen?
-Conhece algum? –Questão de vida ou morte!
-Olha, até conhece o mestre Kin Lin, mas ele ta em Miami.
“Que um mestre zen vai fazer em Miami?”
-Mas deveria estar na China!
-Aí é com ele né?- Mas será que eu não posso ajudar?
-Conhece koans, contos sufis, acredita em milagres? Desesperou-se.
-Conheço um pouco.
-Pode assim, por fone mesmo me responder uma pergunta?
-Posso tentar, mas você não prefere tomar um café?
-Não tenho tempo, olha, presta atenção, tá prestando?
-Toda gata.
“Ai Leonor, fim de carreira hein?”
-Como acho um cavalo-marinho laranja que não exista, se existem cavalos-marinhos cor-de-laranja?
-Quê?
“Roubada”
-Nada cara, beijo!
-Ei péra!- é só explicar direito!
-É isso, preciso de um cavalo-marinho laranja que não exista, só que sei que existem cavalos-marinhos dessa cor!
-Entendi.
-Entendeu? Surpreendeu-se.
-Meu!-Difícil hein?
-Sabe ou não?
-Deixa eu pensar.-Cavalos-marinhos, laranjas, existem, mas não podem, hummmmm.
-Que tá fazendo?- Meditando?
-Eu tenho um cavalo-marinho laranja.
-Grande merda!-No pet shop também tem.
-Mas o meu não existe.
-Ah cara, ta tirando uma?
-Vem aqui em casa e te mostro.
“Sei o que ele quer me mostrar”
-Olha, valeu.-Beijo.
-Você que sabe gata.
-Explica.
-É um cavalo-marinho certo?
-Certo
-Laranja, certo?
-Sim.
-Mas não existe certo?
-Tá pensando que sou retardada?-Vá direto ao ponto! “Putz, falei merda, vai pensar que é indireta”
-Então gata, tenho um.
-Sei, vou chegar aí olhar pro seu aquário de peixinhos e você vai me falar “Olha ele tá lá, só que você não vê porque não existe.” –acertei?
-Você vai ver.
“Que faço agora Budha? Quero uma luz!”
-E como não existe se está aí e eu vou ver?
-E como não existe se está aqui e você vai ver?
-Porra isso é um Koan?
-Quê?
-Meu você nem sabe o que é koan?
-Sei sim.
-O que é?
-Qual o som de uma única mão que bate palmas?
-E descobriu essa porra?
-Claro!
-Me dá seu endereço, tô indo praí, mas ó , eu luto Box!
-Tranqüilo gata.
E ela foi. No carro pensou e repensou. “O cara deve ser um débil mental, primeiro falou que era difícil, depois falou que tinha, eu tô indo pra casa de um cara que me chama de gata! Meu, será que é um psicopata, um serial-killer que mata as vítimas com golpes de espada sempre com uma música de algum filme do Quentin Tarantino ao fundo e depois dá aquele gritinho besta de dor estomacal asiática? Bom, mas ele falou o koan lá da gnose, será que tava me testando? Ah, sei lá, tô completamente perdida”
Tocou a campanhia de um predinho na liberdade.
A porta abriu, apareceu um velhinho vestido de Kimono com a cara do Senhor Miyagi.
-Otaviano?
-No filha, tocou elado.
-Não tem Otaviano por aqui? –Nem conhece?
-No.
Sentiu por um minuto um alívio, noutro um pressentimento. Pegou o endereço e mostrou pro velhinho.
-É aqui mesmo né, que estlanho!
-O Senhor é o mestre Kin Lin?
-Sim filha.
-Mas não estava em Miami?
-Onde? Hihi -Nunca sai do Blasil, só antes né, quando molava na Cina! E riu aquela risadinha enigmática.
-O Senhor é um mestre Zen? Perguntou num golpe só.
-Nooooooo, so dono de lestaulante cines né? -Meio zapones também né?
-Já ouviu falar em cavalos-marinhos cor-de-laranja?
-Hihi, silvo no lestaulante.-No existe nada igual né?
“Não existe nada igual !?”
- É bom? E fez uma cara de nojo.
- É luim mas muito mágico né? Faz mulher englavidar!
Lembrou da amiga e como queria engravidar há anos, mas não conseguia, nem com todos os tratamentos. Ela acompanhou todo sofrimento. Sofria junto.
“Será isso Budha? Nada de Otaviano. Ele me mandou aqui, será que ele existe? Ele nem lembrava da Leonor! E o mestre não é mestre é cozinheiro! Vou dar um cavalo marinho frito pra ela? É isso Budha? Sou uma espécie de Deusa da fertilidade? Uma Virgem de Willendorf? Uma Yemanjá? Uma Afrodite? Será isso Budha? Sou uma mensageira? Um tipo raro de cegonha? Será isso Budha? Que seja!”
-E o senhor faz um pra mim? –Tem que ficar gostoso....-É urgente sabe?
-Faço filha, coloco uns tempelinhos e fica com gosto de yakisoba! Vamos plo lestaulante, eu já tava saindo pla lá.
E foram, o velho abriu a porta dos fundos que dava pra uma viela escura e úmida, cheiro de fritura e peixe podre. Dentro ele mostrou a ela um imenso aquário com dezenas de cavalos marinhos laranja:
-Qual a filha quer?
-São laranja, e depois de prontos não existe nada igual né?
-Isso filha.
-Qualquer um mestre. O fato de aquele velhinho ser realmente um mestre disfarçado já estava grampeado na cabeça dela. Ninguém tiraria.
Ele pegou um bem grande, bem laranja. Ela não quis ver o bicho morrer:
-Espero aqui tá mestre?
E foi para o salão pequeno ainda fechado, olhou pro relógio; 7 horas, correria pra levar o “brebage” para amiga, comer ainda naquela noite. Sabia que teria que ser naquele noite.
-Ta celto filha. –Mas a menina tem que comer hoje ta?
“Ele nem se assusta quando o chamo de mestre, está acostumado, que conspiração é essa Budha? E não falei pra quem era, como sabia? E comer hoje?..Serão os astros? Não viaja tanto! Claro, amanhã isso vai estar com gosto de rato podre...”
O prato ficou pronto, o mestre colocou outros quitutes, como legumes e pedacinhos de frango em volta, o cheiro estava muito bom. Ficou com água na boca.
-Quanto devo mestre?
-Eu que devo filha.-Venha semple que quiser, comida aqui é de glaça pla você!
Ela não entendeu nada, mas também não era hora de entender, tinha que voar pra casa. “Por quê o mestre falou que ela tem que comer hoje?”
Chegou.
-Que é isso?
-É o cavalo-marinho laranja. Meio diferente daquilo que pensávamos.-Mas come! –E vai ver que ele não existe mesmo!
-Bom, o cheiro está ótimo.
Comeu tudo. Foram dormir.
Na tentativa seguinte da inseminação artificial, ela milagrosamente engravidou, nasceu um menino. Chamaram-no Sidarta.
Depois de 3 anos vieram monges tibetanos e quiseram levá-lo .Ambas ficaram desoladas mas compreenderam.
O menino foi para o mosteiro de Dharamsala na Índia; residência do Dalai Lama. Elas foram junto morar nos arredores. Visitavam o filho todos os meses.
Chamavam-no; “Pequeno Budha”.
No Brasil, uma borboleta cantava...


Fim





domingo, 15 de abril de 2007


(Fragmentos da Menina da Lancheirinha)
O Quintal Dos fundos

Havia ali um tanque e uma escada que subia para o quarto da Dona Geralda onde ficava uma velha máquina de costura, uma cama e um armário. Naquele quarto, nos momentos em que ficávamos sós eu e meu irmão com uma furadeira de mão, tentávamos abrir um buraco na parede pra saber o que havia “do lado de lá”, foram muitas tentativas, o buraco já estava grande mas nunca conseguimos acabar. O que será que ficava do lado de lá?


Hoje sei que o lado de cá era mais que suficiente para nós, estávamos confortáveis, e por isso não fomos até o limite, senão, tenho certeza que iríamos...

(Quando estamos insatisfeitos, quando o lado de cá já não tem mais nada a dizer, quebramos paredes pra não morrer sufocados. Alguns morrem...Já falamos sobre isso...)


(Poesias) Dilúvio (Para meu Amor)


Veio durante o dilúvio, e o diluiu
Limpou os destroços e ergueu a cabana
Tratou que fosse perto da mata e do rio

Depois soprou um vento quente
Sobre minha mente afogada
Tratou de deixar uma dor coerente

Quando abri enfim os olhos, a vi
A cabana virara casa, e o rio cachoeira
Tratou de me dizer que por ela renasci

O Amor entrou pra dizer o que armou
Ela esqueceu que me salvou, eu esqueci que morri
Antes de ir, o Amor de nos amar, tratou



( Fragmentos da Menina da Lancheirinha )
Começou quase assim...
Não sei quantos anos eu tinha, ou se já tinha um ano completo, mas a primeira lembrança da minha existência foi como um sonho...Não por ser idílico, mas por ser tão abstrato, por isso sei que eu ainda era muito pequena, estava no mais puro extrato.
Eu estava deitada na cama entre meus pais, uma cama imensa e eu muito pequena diante de tudo que via, tudo muito amplo, muito branco, lembro que olhava a parede a minha frente e via como numa tela a figura de uma zebra e de um rato, o rato sumia aos poucos, e aparecia como em “power point” a zebra, então sumia a zebra, e vinha o rato...Agora este sonho está muito claro, era uma metáfora exata do que eu era e do que me transformaria...

A Sala de Jantar Marrom...
Na sala de jantar também havia um armário baixo onde ficava a vitrola e os Lps, que graças a minha aptidão de saber como pedir, iam aumentando a cada semana. Também uma estante onde ficavam mais livros e o telefone. Encostado em outro canto um sofá de lã com tons marrons; “O sofá da vovó fazer crochê”....
Descobri o por que dessa preferência geográfica da casa no seu ato mais sensível de se expressar, quando perguntei para vovó quem era o menininho com roupinha de marinheiro do quadro que ela não cansava de olhar...
E com seus olhos verdes estonteantes e úmidos, respondeu quase orgulhosa, (responderia muito mais orgulhosa e inflamada se não adviesse de sua dor mais profunda)
-Esse é seu “Tio Zezinho”, meu filho mais velho.
nenê ainda ! Eu não compreendia isso ainda, quando meu avô morreu eu era pequena demais para interpretar a morte, não me recordo de nem um detalhe
-Era para estar grande Lolinha, mas foi para o céu, pegou uma doença quando era bem pequeno, ficou muito fraquinho, foi para o céu quando era só um rapazinho.
Era um universo inédito a ser explorado, ali fiquei horas no colo dela, tentando compreender o que era isso de ir para o céu e virar anjinho, o que era isso de morrer pequeno, como era possível e admissível a morte que nos tira uma pessoa amada. Porquê não haviam remédios para todas as doenças?
Ali no colo da minha avó, o ser mais querido da minha vida, foi onde descobri os mais incríveis mistérios.
"A vida, um dia acaba” “Podemos morrer antes de nossos pais”
E no meio do turbilhão da minha pequena mente, achei um monstro:
O Sofrimento.
Existia um monstro chamado sofrimento que enchia de lágrimas os olhos da minha avó.
Foi o alface mais severo, e talvez o mais dominante, que plantei silenciosa no ‘Pomar das minhas assombrações’