sexta-feira, 20 de abril de 2007


(Fragmentos da Menina da Lancheirinha)
Eu e meu Irmão
Quando penso na rua das Hortências-86, tenho que pensar muito no Lalo, mais do qualquer outro lugar, pois essa foi a época que realmente convivemos, trocamos e ensinamos um ao outro, experiências e interesses que passaram a ser dos dois, embora, quem nos veja hoje, diga que somos parecidos fisicamente, no quesito “personalidade” sempre fomos opostos, por isso havia uma boa troca, uma infância extremamente criativa recheada de muitas brigas....

Opostos são elementos incríveis para a “experiência da convivência”, éramos opostos em tudo , até nos signos, eu, escorpião , ele touro, eu fechada, ele aberto, eu intensa, ele plácido, eu profunda, ele um lago...

Tantas diferenças nessa época, fizeram o jardim das nossa delícias, brincávamos tanto que passamos a incorporar elementos um do outro, pegamos nessa época, o melhor de cada um e formamos um par que passou a ter os mesmos gostos, os mesmos amigos, (apesar dos seus 4 anos a mais) e a necessidade do outro para compreender certas brincadeiras que eram só nossas.
Adorava acordar bem cedo nos fins de semana quando ele não ia à escola porque sabia que já estaria na sala brincando com alguma das nossas criações especiais.
Foi o que já falei antes amor, tínhamos um dom inerente de brincar com os objetos, não da maneira certa, mas recriá–los. Como disse "brincávamos do avesso"

O óbvio nunca nos contentou, figurinhas não eram coladas nos álbuns, mas sim personagens e seres , se fossem de carros, fazíamos uma cidade, com lojas, estradas e trânsito, se fossem animais fazíamos uma floresta, com reinos, mundos mágicos, história e contexto. Sempre cada um era um personagem, a primeira pergunta que eu ou ele sempre fazíamos antes de qualquer brincadeira era:
-Você vai ser quem?


Nossas brincadeiras favoritas eram os carrinhos de ferro, brincar de “hominho” (forte-apache) ou Arfix, (bonequinhos diminutos, que quase ninguém conhece) “bichinho” onde com centenas de animaizinhos de plástico, criávamos um universo insólito, poli e ministeck. Estes dois últimos são brinquedos tipo Lego de antigamente, só que ao invés de fazermos casinhas ou brincar com as formas, fazíamos personagens e criávamos o conteúdo, era isso Amor.

Eu e o Lalo, queríamos conteúdo, aventuras, histórias, não brinquedos de montar, figurinhas de colar, etc...
Também brincávamos sem brinquedos. Nós éramos os brinquedos de carne e osso, mas sempre com um enredo, sempre com personagens.

Como o “só nós”, o melhor era brincar de escalar as paredes do corredor que ligavam os quartos. Esse corredor tinha um pé direito altíssimo, colocávamos o colchão da cama da minha vó embaixo, e escalávamos até o teto, com uma perna em cada parede, bem, eu chegava até o teto, ele não se arriscava tanto, e de lá nos jogávamos naquele mergulho delicioso ao colchão. Era delicioso demais, mas, essas brincadeiras do “só nós” sempre acabavam quando minha vó
chegava...

Ela não gostava de coisas tão malucas, nessas horas dizia:

-Hilárinho! Olha as coisas que você ensina pra sua irmã!

Mal sabia ela, que muitas dessas coisas eu que ensinava



(Amor, o Lalo foi para minha infância, um Dom Quixote e um Sancho Pança. Nossas aventuras eram tão inquietantes , e únicas...Éramos tão unidos. Mesmo quando me batia e eu corria chorar em algum lugar, não durava nem cinco minutos, pra voltarmos às brincadeiras, na verdade seus soquinhos nunca doeram demais. Eu compreendia naquela época que as brigas são também o avesso das brincadeiras, depois perdi esse talento. Depois da tragédia ganhei quase tudo e perdi quase todos...Todos que realmente interessavam...)

Um comentário:

Vivian Guilhem disse...

"Todas as grandes personagens começaram por serem crianças, mas poucas se recordam disso." (Antoine de Saint-Exupéry)

Mas Heloisa é Heloisa...