domingo, 15 de abril de 2007




( Fragmentos da Menina da Lancheirinha )
Começou quase assim...
Não sei quantos anos eu tinha, ou se já tinha um ano completo, mas a primeira lembrança da minha existência foi como um sonho...Não por ser idílico, mas por ser tão abstrato, por isso sei que eu ainda era muito pequena, estava no mais puro extrato.
Eu estava deitada na cama entre meus pais, uma cama imensa e eu muito pequena diante de tudo que via, tudo muito amplo, muito branco, lembro que olhava a parede a minha frente e via como numa tela a figura de uma zebra e de um rato, o rato sumia aos poucos, e aparecia como em “power point” a zebra, então sumia a zebra, e vinha o rato...Agora este sonho está muito claro, era uma metáfora exata do que eu era e do que me transformaria...

A Sala de Jantar Marrom...
Na sala de jantar também havia um armário baixo onde ficava a vitrola e os Lps, que graças a minha aptidão de saber como pedir, iam aumentando a cada semana. Também uma estante onde ficavam mais livros e o telefone. Encostado em outro canto um sofá de lã com tons marrons; “O sofá da vovó fazer crochê”....
Descobri o por que dessa preferência geográfica da casa no seu ato mais sensível de se expressar, quando perguntei para vovó quem era o menininho com roupinha de marinheiro do quadro que ela não cansava de olhar...
E com seus olhos verdes estonteantes e úmidos, respondeu quase orgulhosa, (responderia muito mais orgulhosa e inflamada se não adviesse de sua dor mais profunda)
-Esse é seu “Tio Zezinho”, meu filho mais velho.
nenê ainda ! Eu não compreendia isso ainda, quando meu avô morreu eu era pequena demais para interpretar a morte, não me recordo de nem um detalhe
-Era para estar grande Lolinha, mas foi para o céu, pegou uma doença quando era bem pequeno, ficou muito fraquinho, foi para o céu quando era só um rapazinho.
Era um universo inédito a ser explorado, ali fiquei horas no colo dela, tentando compreender o que era isso de ir para o céu e virar anjinho, o que era isso de morrer pequeno, como era possível e admissível a morte que nos tira uma pessoa amada. Porquê não haviam remédios para todas as doenças?
Ali no colo da minha avó, o ser mais querido da minha vida, foi onde descobri os mais incríveis mistérios.
"A vida, um dia acaba” “Podemos morrer antes de nossos pais”
E no meio do turbilhão da minha pequena mente, achei um monstro:
O Sofrimento.
Existia um monstro chamado sofrimento que enchia de lágrimas os olhos da minha avó.
Foi o alface mais severo, e talvez o mais dominante, que plantei silenciosa no ‘Pomar das minhas assombrações’




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