quinta-feira, 10 de maio de 2007


(Fragmentos da "Menina da Lancheirinha") O Terrorista

Lembro de minha vó e mamãe exclamando “Meu Deus”!
-As balas passaram quase na cabeça das crianças!
Claro que comecei a perguntar, afinal agora já havia uma história a ser explorada:
-O que é terrorista?
-Em que posição ele caiu?
-Tem sangue na calçada?
-Porquê fizeram isso?
As respostas vieram de maneira bastante didática. Me falaram que terroristas eram homens que lutavam contra o governo.

(Amor, não se esqueça que estávamos em 69, 70, época do regime militar, e como nosso mais alto mandante, o General Emilio Garrastazu Médice. Seu governo foi considerado o mais repressivo do período, conhecido como “ anos de chumbo “. A repressão à luta armada crescia e uma severa política de censura havia sido colocada em ação. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, e outras formas de expressão artística foram censuradas. Muitos, políticos,
músicos, artistas e escritores foram investigados, presos, mortos, torturados ou exilados. Foi nessa época que criou-se o Doi-codi (Destacamento de Operações e Informações ao Centro de Operações de Defesa Interna)



Na época e da maneira como foi contada me pareceu assim:
-Nada, menininha- o mocinho matou o bandido.
Eu não sabia dessas coisas de ditadura, nem grupos “extremistas” que se formaram para combater esse regime destruidor de almas e suas expressões “não convencionais



Quando soube de tudo, desde o golpe de 64, um ano antes no meu nascimento até o AI-5, já no regime Geisel em 78, e junto a isso, tudo que esses anos representaram para os “não comuns”, me senti meio enganada.

Como meu pai, carregando tantos genes “anarquistas” não fez nada contra tantas crueldades? Como pôde achar normal um terrorista morrer, como pôde chamar um homem com um ideal de terrorista?


Não é cabido julgar, esse foi um padrão dele, foi o instinto de proteção por tudo que lhe foi contado, e pelas seqüelas destes danos que a infância deixa.
Penso em meu avô, e como ele talvez quisesse compensar todo sofrimento, não só dele mesmo mas de toda família deixada para traz, cuidando como um militar do seu novo rebanho que nascia num Novo Mundo.
Hoje entendo ainda mais a grandeza do meu pai, que mesmo tendo tantas células “esquerdistas” colocou-as adormecidas para, assim como meu avô também nos poupar. E poupou.
Só entendi o que realmente aconteceu nos bastidores do planalto, no momento da minha infância, muito tempo depois.
E não foi através da escola também “ditatoresca’ que cria as histórias assim como convém seu sustento. Mas em filmes, livros, músicas, fatos e relatos de pessoas que conheci.


E foi através dessas histórias e seus personagens, banidos do País. banidos de si mesmo, ao cortarem caules verdes que brotavam de suas almas, que entendi que a história sempre se repete, até o dia afinal, que possa ocorrer uma explosão tal qual houve em minha própria vida, mas isso não há de ser nem é possível; a explosão real de todos no mesmo segundo.
O que podemos fazer é acelerar esse processo para ajudar quem vem depois. Pois o mundo é ao mesmo tempo um palco atroz e fascinante.

(E penso que é exatamente graças a este cenário engendrado tão torto, por genial artimanha de algum poder invisível, que cada ser humano carrega um imenso potencial de se perceber, e se enxergar , porque a partir desse instante tudo que você quer Amor, é o crescimento constante de cada um de seus semelhantes.)

E a vida com seus sofrimentos, misérias, doenças, guerras e preconceitos de todas as qualidades, é afinal um caderno escancarado com todos os ensinamentos. Alguns lêem primeiro, outros demoram um pouco mais, alguns são “analfabetos”, outros eternos penitentes, mas se cada um que já o leu, estender a mão para outro alguém, haverá por certo um processo mais acelerado. E quem sabe um dia, um mundo mais sensato.




2 comentários:

Unknown disse...

Muito bem! Boa aula de história e política.

Vivian Guilhem disse...

Vc é uma enciclopédia de boas idéias, lembranças e conhecimento...
Te amo!