sábado, 12 de maio de 2007

Uma Vida Pequena


Existem coisas especiais, dessas que causam ao mesmo tempo medo e fascínio. Desde menina me atenho muito a essas coisas, seres e sensações. São os presentes da fantasia postos aqui, neste mundo que é o que nos parece real.
Entre essas coisas que chamo especiais, havia os seres protagonistas, ainda há, não nego; são os anões.
Eu não podia ver um anão na rua que cutucava minha mãe e apontava com aflição e euforia. Ela bronqueava. “Não é certo fazer cena, diante de pessoas assim”. Mas era inevitável, e fiz, durante toda minha infância.
Com 19 anos tomei orgulhosa, cargo do meu primeiro emprego. Uma grande editora; eu era desenhista de uma revista infantil, o personagem principal era um palhacinho. O palhacinho criava vida no setor de promoções. Havia uma fantasia perfeita, quem a vestia era um anão.
Não me senti à vontade com isso, o anão não gostava de mim, isso nunca foi falado, mas eu sabia, aos poucos percebi que não gostava de ninguém.
Aparecia de vez em quando em nossa sala sem fantasia e por mais que eu tentasse, não conseguia desviar meu olhar do pequenino, usava roupas de menino, sapatinhos ortopédicos, e suspensórios permanentes, nunca o vi de outro jeito.
Eu sabia que ele estava perfeitamente ciente do que eu sentia, pois sua metade fantástica outorgava ao pequeno ser, além da forma, o conteúdo, e este eu sabia....Estava a par de tudo.
Um dia cheguei atrasada, o elevador demorou, subi correndo as escadas,e ali entre um andar e outro, vi caído o anão.
Nem sei o que senti, ficaria aflita se fosse uma pessoa como eu, mas sendo o anão fiquei estática sem ação. Não sei o que foi, houve ali uma dessas sensações mágicas que relatei antes, que misturam medo e euforia, sei que o anão caído com seus suspensórios encardidos, pediu meu colo e o peguei, não era tão leve como pensava, desci com ele pelas escadas vazias. Cheguei à recepção e gritei pra telefonista chamar uma ambulância.
Chegou quando um tumulto já estava à porta do prédio. Levaram-no às pressas. Soubemos depois de algumas horas que tivera um enfarto, não morrera por um triz, fui eleita heroína. Não sei se me orgulhei.
O anão jamais voltou, estava cansado e fraco pra vestir a fantasia pesada. Em seu lugar veio um menino, simplesmente um menino. Ele andava pela sala, com roupinhas da moda se sentindo o tal porque era um semi-ator. Algumas vezes vinha em minha mesa e dizia que eu desenhava mal. Eu o ignorava, e quando aparecia desviava meu olhar.
Um dia veio a notícia; o anãozinho morreu. Parece que a esposa ligou e avisou o local do velório.
Da empresa fomos uns três, eu tive que ir pra ver o anão. Sei não ser direito pensar isso, mas ver um anão morto era pra minha mente torta, aventura sem igual.
Lá entre dez pessoas, fui muito bem recebida por uma linda mulher. Uma mulher como outra qualquer. Era a esposa do anão e em cada uma das mãos segurava diminutas mãozinhas de um casal de anõezinhos. Nesse dia imaginei muitas coisas; imaginar os dois na cama foi inevitável.
Antes de me despedir quis pegar as crianças no colo, dois anõezinhos em botão, mal sabiam todos dissabores que lhes reservava a vida. A vida de ser anão.

Isso aconteceu há 20 anos, hoje Pedro e Clara são grandes amigos, desde a morte de seu pai não consegui me desgrudar deles. Me chamam de heroína, e outro dia voltei pra casa com uma sensação “daquelas”.
Pedro, 16 anos mais novo e setenta centímetros mais baixo, me deu uma cantada.
Fiquei um pouco decepcionada, esperava isso de Clara....


4 comentários:

Camila Cobucci disse...

eu tenho medo de anão b.muito medo.rsss love youu

Vivian Guilhem disse...

Meu amor... Você se supera a cada dia!
E me surpreende... E assim vou me surpreendendo comigo mesma.... Que tamanho de amor é esse que me pegou? Assusta! Mas é só por ele que eu vivo...
Obrigada!

Unknown disse...

Nem anã te escapa, hein?! Preciso falar com a Clarinha...rss...

Anônimo disse...

Que estoria surreal!!
Mas tragicomica tbem!!!!