terça-feira, 15 de maio de 2007

Fragmentos da Menininha da Lancheirinha


O Zé Catraca



Foi também no quintal que presenciei outra cena terrível.
Dessa vez eu estava só, estava no quintal de cima, um quintal acima do pomar, que ficava do outro lado do “jardim das rosas”

Nessa época Amor, na casinha branca do pomar, morava um casal de caseiros, eram velhos, mal os via, depois percebi que não eram de fato caseiros, moravam ali numa casa minúscula por caridade da minha vó.

Esse casal tinha um filho conhecido como “Zé Catraca” . Eu tinha muito medo dele; tinha um rosto cavernoso e parecia um personagem de algum filme de David Linch, aqueles do mal.

Sua pele era de um tom cinza-esverdeado, tinha um cabelo sempre oleoso e cheirava mal,

sei que andava pelas ruas e que não trabalhava, quando não estava bêbado, também estava, acho que nunca ouvi sua voz, só via seus vultos sempre escuros vagando pelo pomar.

Na casinha minúscula que os velhinhos moravam não tinha lugar para ele, então minha vó o acomodou numa espécie de porão, que na verdade estava abaixo da casa e só tinha uma entrada pelo quintal.

Era uma espécie de caverna, tinha uma entrada, mas não tinha porta. Nesse lugar, pensava que além daquele homem, também moravam outros monstros, eu olhava para o buraco e sempre tentava me desviar, mas claro que eu ansiava o momento de entrar e ver o que havia de fato por lá.

A sintonia, que agora entendo é que a cena terrível se deu no mesmo dia que entrei pela primeira vez naquela caverna assombrada.
Resolvi entrar e levei comigo a sensação de "euforia que o medo traz” estava em pânico e apaixonada pelo instante.

Sorrateira e sozinha, cuidei para que o homem cinza-esverdeado não estivesse por perto e fui...
Era escuro, não tão grande, olhei tudo em um segundo, vi um colchão listrado, um “trabissero” sem fronha, umas garrafas vazias (de pinga certamente) e roupas jogadas por todo lugar, um instante de divagação passou por mim...
”Como alguém podia viver assim?” “A mãe não cuidava dele?” “Porquê será que ele era assim?”

Saí sem ver monstro algum. Os monstros sei agora que estavam dentro de mim, aquele buraco era apenas um botão que acionava essa sensação. Mas naquela época minha fantasia não me deixava questionar a existência dessas e outras criaturas

Foi logo depois que aconteceu...

Entrando ali e profanando o habitat do monstro real , achei que de alguma forma o chamei.
E assim, no quintal de cima, onde estava perdida em meus questionamentos , foi que ele apareceu, em carne e osso, o “Zé Catraca”.

Apareceu por trás de mim, pensei que fosse me pegar, mas não. De repente olhei pra ele e vi que estava tremendo, tremendo mais e mais, até que caiu no chão, onde continuou e se contorcer, emitia sons guturais, seus olhos giravam sem destino, eu fiquei congelada, acompanhando a cena, quadro a quadro:

Foi o monstro se revelando finalmente, por um minuto pensei que ele estava se transformando, logo me engoliria, esse pensamento me tirou do papel de espectadora e me levou ao de vítima, como vítima, fugi desenfreada, pulei o portão e subi a rua até chegar à casa da prima da minha mãe, onde sabia que todos estavam.

Cheguei e contei, devo ter contado assim:
-Mãe!- o Zé do porão ta lá caído no quintal, ta se revirando, vem depressa ver!
Foram, mas já o tinham socorrido, me explicaram que teve um ataque epilético, eu não sabia o que era isso, mas enfim, não era sobrenatural.


Fiquei de mal com a fantasia. Mas só por alguns dias...

2 comentários:

Vivian Guilhem disse...

Eu dou muita risada com essa cena!!!
Muito bom meu amor!
Só tenho dó do Zé Catraca... Quem será que teve mais medo vc ou ele??
rs...
Você é cheia de aventuras! Vai ter que falar do dia do roubo do celular!! rsrsrs
amo vc

Anônimo disse...

Cenas de um filme de terror, mas quem é mais coitado é o Zé Catraca!
Coitado dele...