quarta-feira, 11 de julho de 2007

Nascida Verme





Nascida verme plantei-me no lombo da vaca
Buraquei-me e cresci, cresci...
Moscas...
A cortejar-me
Moscas como companhia
Moscas, noite dia.
E a vaca me alimentando
Sangue, sangue.
Ninguém me viu
Até que engoli a vaca
Cruzei com o touro
Pari um ser torto
Semimorto
Que comi.
Nascida verme,
Avermelhei
O pasto e montes
Fiz rubro o horizonte
E morri no heróico laço
Do chefe do cangaço
Sou lenda na fazenda
Na cidade, mundo afora.
Nascida verme
Avermelhei o milharal
Os campos, cafezais.
Fiz de mim, ser imortal...
Berne, verme,

Feio?
Verme?
Nojo?

Só quem já nasceu verme,
Pode sentir,
Ah humanos!
Pobres...
Explicam dos seres a vadia existência
Sem viver a experiência
Sem jamais sentir o cerne
De um ser nascido verme...



sexta-feira, 6 de julho de 2007

O Amor Engorda




Antes dos trovadores
O amor não existia
Não assim feito paixãoIlusão e euforia
Era morno como banho de menina
Cauto como missa matutina

Cristandade ensinou; procriação.
Duas pessoas se uniam
Pelas leis da conveniência
Haja paciência,Era só papai mamãe
E um beijo gelado no rosto
Ah! Que era um sei lá, sem gosto.

Ai! Que então eles chegaram
Lá pelo século XII
Inventaram a dor do amor
Acenderam da paixão o fogo
Que lhes trouxe Prometeu
O alaúde fez amor com a trova
E esse Amor Eros nasceu

Então veio o desamor
E morte precoce
De desilusão
Almas desequilibradas
Neurótica obsessão

E essa foi acreditem;
A parte melhor
Pois se o amor paixão
Fizesse celebração
Que desastre!
Afrodite pôs maldição

Trovadores precursores
Do apetite sem limite
Dos amantes vitoriosos
Corpos esguios deram espaço
A silhuetas de ogro
Barrigas exageradas
Camas apertadas


Inventaram o colesterol
E com a mesa farta, o enfarto.
Celulite e estrias
Estômagos inchados de sapos
Peitos dentro das tigelas
Queixos engolidos por papos

E as Nádegas da matrona
Fez transformar a cadeira
Em suntuosa poltrona
Quem diria; trovadores!
Inspiraram novas tendências
Criaram os decoradores


Vá-te retro trovador!
Vá-te retro usurpador
Daquele meu corpo perfeito
Posso ver-me agora
Num quadro renascentista

Vá-te retro amor feliz!

Trovadores já morreram
Inventores do engordar
Quisera estivessem vivos
Pra que os pudesse matar!


Trovador hipercalórico
Empalo-te no pau da moldura
E querendo mesmo deixar rastro
Com a corda do teu alaúde
Satisfeita, te castro!


Vá-te retro Trovador!

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Trapezista Dentro da Cabeça

desenho: Heloisa Galvez
Foi pela fenda em minha testa aberta há séculos que ele entrou, não sei de onde veio, nunca me contou. Imaginei ter sido expulso de um teatro mambembe por amor a bailarina, amante do palhaço Chupetinha, ou veio depois que o circo Irmãos Gabrielle, do circuito Natal/Mossoró faliu...

Instalou seu pequeno trapézio na capota do meu crânio, deve ter usado uma furadeira, e outras ferramentas inclementes, foi aquela dor de cabeça que tive e durou o dia todo.Desde então sinto o vento norte sul constante em minha mente.

Não é fácil ter instalado um trapezista na caixa craniana, assim com toda massa cinzenta como espaço embalativo...Não é fácil.

Mistura os pensamentos com inocente alegria, penso que se apaixonou pela malabarista bipolar que já nasceu neste lugar, desde que ele chegou, vou do céu ao inferno com uma freqüência maior, juntos sei que chamam outros artistas, o bufão Abenias que morava no meu sorriso, migrou paro o cerebelo.

O trovador Rimbauld que servia sincero meu coração, fez tenda no encéfalo. Estou destituída de mim.

O circo está crescendo, pelas noites cresce mais, os anões que eu mesma chamei há muito tempo pra dentro de mim, pra livrar minhas veias dos radicais livres de lembranças presas estão migrando pra cabeça, somam 340 segundo minha última conta.

São boêmios como deve ser todo artista, por isso acenderam com tochas minhas noites de sono. Durante o dia divago, tento, planejo pra logo mais como um castelo de cartas caído, tudo embaralhar de novo. O pior de tudo; o público.

Faz uns dias começaram a surgir entre lembranças, pessoas tantas que sentam no afofado das poltronas pineais para assistir ao espetáculo invejável que produzem ali. O mágico Van der Kaplan abriu todos meus baús de idéias hermeticamente lacrados, não sei, mas conseguiu, como só se consegue um mágico.

Ouço aplausos há cada duas horas, às vezes me é concedida uma entrada e assisto também...Não há como não chorar, cada pedaço de mim, fazendo em minha cabeça tamanha folia contando tantas histórias, histórias da minha vida.

Foi pela fenda da minha testa que ele entrou, montou a tenda azul e amarela, desfez as minhas rédeas, e em minha mente criou esse palco que se torna itinerante quando ando, tropeçando pelas travessas e esquinas, indo, vindo...Sem ter noção alguma de quem eu sou, ou onde estou.

Assim caminho sem saber porquê...O show é um sucesso, ouça os cambistas!Vendem o bilhete 10 vezes mais caro que o preço do trapezista...

Estou sem ação, sinto o vento norte sul constante em minha mente. Não é fácil ter instalado um trapezista na caixa craniana, assim com toda massa cinzenta como espaço embalativo...Não é fácil.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Fragmento da "Menina da Lancheirinha"- Uma Briga com Anita Malfatti


Fui uma criança de sorte, sempre tive em minhas mãos, todas as histórias que quis, Anderson, irmãos Grimm, Esopo, Charles Perrault, Lewis Caroll,Carlo Coloddi de Pinóquio, entre muitos outros. A maior parte de tudo isso descobri entre as páginas maravilhosas dos inacabáveis livros vermelhos do maior tesouro da minha infância! “O Mundo Da Criança!”
Claro que as noites com Monteiro Lobato com minha mãe, foi a primeira semente plantada nesse jardim mágico. Agradeço tanto a ela por isso...
Sei hoje que existem muitos grupos anti-Lobato, pelo fato deste ter criticado alguns artistas da semana de Arte Moderna de vinte e dois...

E daí?
Eu o admiro ainda mais por isso, não menosprezo as novas obras e artistas que ali se destacaram e deixaram seus nomes para sempre na história.
Mas como não concordar com monteiro Lobato ao dizer da obra de Anita Malfatti:

“Quando as sensações do mundo externo transformaram-se em impressões cerebrais, nós ‘sentimos’; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em ‘pane’ por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá ‘sentir’ senão um gato, e é falsa a ‘interpretação que do bichano fizer um totó (cão) um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes”.

Entendo completamente estas que por muito também foram minhas palavras muito antes de ter qualquer conhecimento dos proclames e repercussões que surgiram dessa semana. Sempre ao olhar um quadro abstrato, cubista ou “dissonante” demais, questionava que “a arte que precisa de explicação não pode ser chamada de arte”. Se a arte é feita para o publico não carece de um interprete cada vez que for apresentada.

E mais, Lobato sabia o dizia, afinal fora, desde o início de sua carreira, um pré-modernista. Irritado com os padrões oficiais de cultura, desvinculou-se das normas padronizadas da literatura, criando um estilo livre, avançado, valorizando a cultura nacional e discutindo temas voltados internamente para os problemas brasileiros! Mas não utilizava formas assimétricas porquê simplesmente não precisava de nenhum recurso, nem de linguagem ou estética, para escrever e principalmente encantar crianças de todas as partes e cantos, com a maior obra de literatura infanto-juvenil do Brasil.
Sim, sei que as palavras de Lobato levaram Anita a uma terrível depressão, mas ora! O artista tem que estar sujeito a isso, e desistir ao primeiro obstáculo, outorga a crítica de Lobato e a minha.
Anita, depois da ardorosa crítica, desviou sua arte para a “natureza morta” (nítida a simbologia que desviou sua obra para a mortalha) e deixou as aventuras de sua alma de lado.
Como diria mais tarde Mário de Andrade:

“Ela fraquejou, sua mão, e indecisa, se perdeu”.
Como fraquejar a mão? O instrumento do artista por causa de uma crítica?
Pobres são aqueles que só almejam elogios, e destroem suas artes ao primeiro ataque do verbo!
Lobato ainda falaria, tudo que um jovem artista, se comparado a um “alpinista” tem que dar ouvidos antes da escalada. Há que se escalar o monte, não pelo objetivo do cume, mas pela aventura do caminho bem percorrido, o cume é uma conseqüência que pode vir ou não, dependendo de sua habilidade, do saber-se esperar, e do poder prosseguir na hora certa e não desistir só pela nevasca leve que cai, mas ao perceber que o cume ainda está longe o bastante para suas habilidades de principiante.

“O verdadeiro amigo de um pintor não é aquele que o entontece de louvores; sim, o que lhe dá uma opinião sincera, embora dura, e lhe traduz chamente, sem reservas, o que todos pensam dele por detrás”

Lobato era um visionário, Anita não era artista de fato. Um artista não desiste da força que vem da sua alma! Desculpem-me seus fãs, mas fatos são fatos...

-Heloisa, este capítulo chama-se “Falando de Sexo”.
-Sim, e daí?
-Você falou de gnose, gnomos, irmão Grimm, Monteiro lobato, acabou com a Anita Malfatti e desenterrou mil citações, o que falou de sexo afinal?
-Agora você defende a Anita? Eu nada tenho contra ela, mas assumo minha postura crítica, sempre fui assim.
-Esqueça a Anita, minha pergunta foi o que falou sobre sexo?
-O que tinha que falar, não tenho culpa se não tinha mais.
-Ah, tem sim! Não vai me deixar aqui sem saber de tudo.
-Você esteve comigo, anta! Sabe que falei o que tudo quer que eu invente?Sabe que sou boa pra isso.
-Não, quero que descreva melhor e com mais detalhes seus raros momentos.
-Não vou fazer isso, já escrevi tudo do jeito que tinha que ser escrito.
-Você percebeu que fugiu do assunto assim que viu uma fenda no labirinto?
-Você virou uma devassa ou o quê?
-Quero saber porquê foge desse assunto.
-Eu deveria ter trancando melhor essa porta..
-Tonta só você acredita nessa metáfora idiota.
-Olha, não sei onde você está, mas eu estava bem, antes de saber que tinha que te buscar.
-Você estava uma merda! Lembra?Ou quer que eu fale?
-Cala a boca, o livro é meu!
-É nosso tudo que falta em você eu tenho em mim.
-Eu não quero virar uma devassa como você!
-Essa é boa, ambas sabemos que vai virar!
-Por sua causa!
-Sim, porquê você me baniu.
-E se não tivesse banido? Eu seria o quê? Uma dona de casa assistindo tv aos domingos?
-Não, mas talvez alguém que já estivesse em paz.
-Olhe, o que fiz, fiz, tinha que fazer e pronto! Estou voltando pra te buscar, depois veremos o que vai acontecer, enquanto isso fique quieta, assim só atrasa!
-Quer um conselho?
-Fala, já que vai falar mesmo.
-Mude o título do capítulo, coloque “Falando sem Nexo”
-Vaca!




sexta-feira, 29 de junho de 2007

Fofoletes Assassinas-Atentado 2


O Incêndio no Chiado


Fofolete Assassina.
Com seu pomponzinho.
Riscou a caixinha de fósforos.
Em Lisboa faz um tempo.
25 de agosto de 88.
Não tempo bastante
Para o esquecimento
O Chiado virou carvão
Centro histórico no chão.
Portugueses “inda contam exta hixtória”
Seu Manoel disse lembrar-se.
Da bonequinha rosa.
Que chegou num navio cargueiro.
Vindo do Rio de Janeiro.
-Meigamente “rixcou-se” na caixa,
se pôx no “Largo de Camõex”,
e “queimou-xe” junto, a todo mundo.

Isso pensa Seu Manoel.
Fofoletes têm magia Troll.
Renascem a cada atentado.
Ali fê-la renascer; um fado.

Fofoletes são culpadas.
Do incêndio no Chiado.
Do meu verbo “enduendado”.
Sadismo adocicado.
Anarquismo “Lorqueado”



.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Guerrilheira da Areia


A areia, primeira escola.
Entre baldes, primos
Pais e pás
Sempre besuntada com creme rosa
Que me fazia parecer uma índia
Uma indiana
Guerrilheira da areia

Ali dei meus primeiros passos
Como um ser independente
Vagava sozinha, olhando o mar
As vagas e carrinhos de sorvete
Só voltava quando alguém me achava
E me colocava debaixo do guarda sol amarelo
O cárcere adequado
A uma eterna fugitiva

Assim dentro da sombra torta
Fazia desenhos na areia
E mostrava
“Lindo” diziam sem ver...
Meus castelos, meus monstros
E cidades encantadas
E assim sem platéia alguma
Atuava sozinha
O que percebi ser melhor

Inventava as histórias
E a mente escrevia as palavras
Que eu não conhecia ainda
Na hora de ir embora
Destruía tudo feliz
Meus contextos eram isentos
Despossuidos de mim

Havia o dia seguinte
E com ele outras areias
Passos a diferentes rumos
Cárcere de todas manhãs
Novos desenhos e histórias
E longos mergulhos no mar
Nos braços do meu pai

Foi ali, ainda de fraldas,
Besuntada de rosa
Que conquistei minhas sardas
Meus reinos solitários
E de tudo a melhor parte;
A Arte!

Esculpida de sereia
Guerrilheira da areia!

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Ladrões do Passado



Hoje roubaram meu sonho
Não um sonho quimera
Mas o sonho sonhado no laço
Ritmado na noite
Lapidado em seus braços

Comecei falar dormindo
Teci no sonho uma história
Embalada em seu colo
Cerzida com fio de Morfeu
Ao som da harpa de Apolo

E quando meu sonho postei
Na caixa do inconsciente
Desviou-se de mim
Por um buraco da mente

Cavado pelo bando
De ladrões que moram em mim
Estão eles com o conto
Que fiei começo ao fim

Entraram de certo pela fenda
Que existe em minha testa
São ladrões daquela tribo
Que ali em outros tempos
Tempos esses de braveza
Me mataram a machadadas
Bem no meio da cabeça

Que será que em tantas vidas
Buscam dentro de mim?
O paradeiro do Graal
O portal do Eldorado
Ou o segredo velado
Da pedra filosofal?


sábado, 23 de junho de 2007

Portal

Você é o Portal por onde entrei
E entre tantas fantasias que encontrei
Estava em você o Sorriso do Gato de Lewis
A esperteza da Raposa de Esopo
De Zéfiro o Doce Sopro
O charme hedonista de Wilde
De Fawcett, o Eldorado.
Da erva de Carlos...O efeito.
Pequena Sereia, de Andersen...
Da princesa e a ervilha, o Leito.
De Lorca o Duende Gitano
Loucura sã de Dionísio
De Rosa, a terceira margem do rio...
De Homero, Helena de Tróia.
Das Moiras, precioso Fio
De Borges o Aleph “polividente”
De Shiva, “kundalinica” serpente...
Lucíola de Alencar
De Verne, misterioso mar...
Dreamland de Poe
Pasargada de Manoel
O Vinho do crânio de Byron
De Epicuro o Jardim
De Bosch as Delícias
Santa Teresa de Deus
Lágrimas dos olhos meus...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Hipogrifo



As formas, não me interessam mais!
Sou aquilo que você vê dentro do caleidoscópio.
Cones ovais, losangos destroçados.
Trapézios interceptados por círculos quadrados.

"Espelhos quebrados..."

Meu coração tem a porta de um poço...
Não abra jamais!

Dentro dele adormece um hipogrifo.
Cavalo com asas de águia, o grifo e a égua.
Trégua ou entrega, sem opção.
Sou eu a Senhora da Besta.
Quando te amei o feto brotou-me no coração.

Vem que ele esta por rebentar-me!
Vem cavalgar em nossa cria!
Vem criar o que sonhamos!
Quantos planos, quantos planos...
‘Inda é cedo, ouça a madrugada...
E as fadas, e as fadas!

Venha agora ou não venha nunca mais
Meu coração tem a porta de um poço
Não abra então, não mais...
Sem você será jazigo de um sonho.
Hipogrifo algum despertará jamais.
Voar...Sonhar, viver...
Jamais...
======================================
A COMUNIDADE POETA UM ETERNO APRENDIZ AGRADECE A TODOS OS PARTICIPANTES DO 3º CONCURSO DE POESIAS E CONCEDE O DEVIDO MÉRITO AO VENCEDOR : Hipogrifo-Heloisa Galvez

terça-feira, 19 de junho de 2007

O Passado não Passa


O passado não passa.
Lembranças criam pernas e correm atrás de mim.
Boas, más; lembranças...
Desfaço do meu presente, o passado é onisciente.
Onipotente, "oni-presente".

O presente é açoitado.
Esquecido entre fatos que vagam na mente.
Arrancado de mim, como se arranca um jasmim.
O presente não brota, é um broto natimorto.
O passado serpente vem de repente e me enterra.

Estou soterrada de recordações.
Pás de terra sobre mim são momentos que vivi.
Vermes imateriais comem o agora.
O presente não vivido, ao chorar já é passado.
As serpentes na mente, prendem o livre-arbítrio da hora.

Da canoa furada, vivo a tirar baldes de água.
Não navego, deságuo.
Não sinto o vento no rosto, sou o que aconteceu.
De tentar tirar lembranças da canoa.
Viro Sísifo, viro Tântalo, viro Prometeu.

Lembranças tantas...

sábado, 9 de junho de 2007

Fragmentos da Menina da Lancheirinha

Não tenho muitas referências desse primeiro dia é como se fosse “uma foto em negativo”, dele só tenho as emoções e algumas pequenas cenas que marcaram.
Havia um menino mais desesperado que eu, eu estava ao menos quieta, ele se contorcia e tentava chegar até a porta,
as tias o seguravam, tentavam acalmá-lo, mas ele não escutava nada, gritava que queria sua mãe, chutava cadeiras e chorava sem parar.
Sei que eu não me importava com nada à minha volta, nem estava preocupada com que outras crianças achavam
de mim, pelo fato de saberem que minha mãe estava lá. Não importava parecer medrosa, nem bonita, nem simpática, não me importava nada.
Lembro que minha mãe depois um certo tempo me acenou, como dizendo- Estou indo, logo mais volto pra te buscar. Fiz um sim com a cabeça, estava estranhamente mais calma. Descobri depois de muita observação, um mecanismo
para me confortar.
Eu não precisa “ser”, só precisava “estar’. Foi a resposta que encontrei. Isso foi a definição que dei “ao ato de ter que ir à escola”. Se já tinha tudo que queria em casa, se ali era meu mundo, ali estavam as pessoas que eu amava, os amigos de todas cores e sabores, todos os cantos mágicos onde eu brincava, se já tinha tudo isso e não sentindo falta de
mais nada, eu poderia sim, e porque não? Estar na escola sem me mostrar, sem ser, sem querer, sem desejar ou esperar nada...
Estava ali porque todas as crianças precisavam estar. Mas se eu precisava estar, estava, e estando era o bastante pra mim e também deveria para meus pais (quanto a eles me enganei). O resto eu já tinha em casa, não desejava nada além.

Então a escola passou a ser apenas quatro horas de “não ser”, apenas “estar”. E assim, mesmo sendo quatro longas horas, mesmo sendo um momento de tédio e saudade, eu não sofria mais, não sofria pelo simples fato que nada desejava ou esperava dali.

(Amor, os desejos quase sempre são os geradores principais dos grandes sofrimentos, assim nos diz a poesia, literatura, religiões, filosofia e até a ciência. Eu não tinha essa sabedoria, mas tinha o instinto e a intuição, era mais sábia, antes, que agora....Só eu sei o quanto sofri depois, por tantos desejos afoitos que precisava realizar...)

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Sonho de Vivian


Você me sonhou e eu acordei,
você me contou e eu já sabia.
-Caminhamos para o mar cheio de pétalas coloridas...-Você de azul, eu de branco

Depois desse sonho, sumiu o ex-pranto e instaurou-se o espanto.
Vi ser possível amar no acalanto, aconchegar-se no peito e dormir.
Aprendi ser possível o respeito a paixão e os dias risonhos.
Comecei a acreditar no amor, voltei a acreditar em sonhos...

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Bailarina Cozinheira


No chão rodopia ao redor do fogo
Na copa rodopia entre cacos dos pratos
No palco samba que nem rainha,
Na cozinha samba no piso oleoso
No teatro ganha aplausos em todos atos
Nas panelas, tenta lembrar, qual era o cardápio.
Na sala, mãos aos céus, ganha palmas
Na pia, tenta esconder fundos de panelas queimadas
No quarto só movimentos exatos
Na mesa, olho o banquete e prefiro ir pro quarto.
No meu corpo é a melhor bailarina do universo.
Na cozinha...Por isso fiz esse verso...

Fragmentos

Primeiro dia de aula- Um ato Fúnebre

Minha avó me acordou mais cedo aquele dia, me deu banho mais bem dado e esfregou meus cabelos com mais força, também me penteou com mais vontade, e esticou mais do que nunca minha testa quando colocou as duas Marias-chiquinhas com enfeites de bolinhas.
Depois trouxe meu uniforme cheirando a roupa muito bem passada e me vestiu cuidadosamente.
Calcinha branca novinha e a saia azul-marinho toda pregueada que descia até meus joelhos, depois a camisa branca de abotoar, com golas engomadas e um símbolo do colégio no bolso que ficava na altura do peito. Colocou as meias
brancas que tinham sulcos entre as tiras planas verticais. Esticou-as até a metade das minhas pernas, até onde era possível esticar. Depois foi até ao armário e pegou as botas pretas ortopédicas que eu precisava usar por ter um pé muito cavo e pequeno. Só as crianças com problemas ortopédicos podiam usar essas botas. As botas estavam brilhando de tão bem
escovadas (apesar de novas). Colocou uma a uma, e amarrou os cadarços (eu não sabia amarrar ainda).
Depois fez um
julgamento final, me olhou de cima a baixo e disse:
-Pronto Lolinha você está pronta!

(Eu não estava...)

Meus pais e meu irmão esperavam embaixo, não houve a famosa foto do primeiro dia que todas as crianças têm (até meu irmão). Não houve indagação alguma, peguei em silêncio o que me disseram pra levar, uma sacola azul-marinho, que para ser diferenciada de todas as outras iguais, deveria ter um bordado especial, minha sacola tinha um ursinho vermelho.
Na sacola havia um calção branco para a hora do recreio, escova e pasta de dentes e uma toalhinha também azul- marinho.

Minha avó colocou no meu ombro a lancheira rosa com um desenho de um trenzinho.
Dentro da lancheira havia uma garrafa com laranjada, um sanduíche recheado de queijo e manteiga e umas barras de chocolate, todos cuidadosamente embrulhados em papel alumínio.

“Minha avó colocou no meu ombro a lancheira rosa com todo peso do mundo.
Dentro da lancheira havia uma garrafa com um fundo de oceano, um sanduíche recheado de medo e umas barras de prisão , todos cuidadosamente embrulhados em papel de escrever adeus.”

Fui...

terça-feira, 29 de maio de 2007

Poema para Djalma

Desacelero sim Djalma,
Tanto; que hoje pois,
Nem sei quem sou
Sei que sou o que chamam
De "desassossego"
Respiro em segredo
Medo
Medo
Medo de não voar mais
Medo de tudo
Medo
Medo de ser medrosa pois nunca fui,
Desacelero sim Djalma,
Quem tem alma
Dilacera, quando morre uma quimera
E quantas morreram em mim...
Tantas quantas,
Um filme que não tem fim...

domingo, 27 de maio de 2007

fragmentos da menina da lancheirinha

A Escola
Finalmente chegamos ao terreno fundamental , para o nascimento da minha tragédia. Mas como todos os processos, ela também foi surgindo aos poucos. E o “aos poucos” tem seu prólogo aqui.
Estava chegando a hora de ir pra escola, as férias até então eternas, estavam acabando.
Eu sabia que meus pais já haviam me matriculado no colégio Dante Alighieri , o mesmo do meu irmão, eu entraria já no pré-primário, não sabia o que era isso, mas sabia que era o começo de uma grande etapa, e que ali ficaria por muitos anos.

“Na verdade o que não sabia é que uma parte minha, a melhor parte, ficaria presa ali até hoje. É por ela que estou voltando, é por ela que escrevo, é por ela que enfrentei e ainda estou enfrentando todos enfrentamentos do mundo, é por ela que choro, é por ela que sofro, só eu posso salvar o que resta dela, só o que resta dela, pode salvar o que resta de
mim....”

sexta-feira, 25 de maio de 2007

VV

Amor, amor meu...
pedacinho...
que editar, que nada...
a saudade está nessa tela...
imensa, azul como seus olhos...
imensa e azul como a terra...
amor, pedacinho, cadê?
não quero fazer poesia..
não quero rimas, nem boas palavras
só quero você...

Holandês Voador


Holandês Voador
Navio fantasma do mal
Voador, não sei quem diz
É pelos oceanos que vaga
E vagará eternamente
Tripulação fantasma
Aparece de repente
Bernard e sua gente
Atacam como serpente
O bom de se estar morto
É não ter medo de morrer
Penso ser uma pantomima
Da minha própria vida
Terra a vista jamais,
Jamais porto, jamais cais
Quebrei também as regras
Joguei dados com demônios
E trapaceei...
Da gávea só o oceano e o além
Porventura um outro navio,
Diversão da solidão
Naufragar este também...

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Epilepsia (Fragmentos da M. da Lancheirinha)


Bom aqui deu “um tilt”

Estou há 2 dias sem escrever amor, me deu um “tilt”, comecei a ler sobre epilepsia, sobre Jung, sobre Adler, Freud, entre outros...Fui conversar com um amigo psicanalista, enfim, uma epopéia atrás dessa “anomalia” que chamam epilepsia. Descobri muitas coisas, coisas sobre a “própria” e outras coisas também, as “também” foram as mais importantes.
Sobre a epilepsia descobri correlações fascinantes, como grandes personagens históricos que sofreram desse “mal” .
Dentro da medicina é somente uma patologia derivada de inúmeros problemas cerebrais, como traumatismos cranianos, choque elétrico, abuso de cocaína, etc...
Dentro da concepção cristã, era uma possessão. Um espírito maligno “entrava” na criatura e a fazia, espumar, cair no chão, gemer, falar coisas sem nexo...Enfim era sempre necessário o chamado de um padre exorcista para arrancar o demônio.

Na visão coordenada, entre a filosofia e a ciência moderna mais sensorial, a epilepsia é ainda um enigma.

Interessante como quando não se tem respostas é fácil inventar uma. E quando se têm muitas, se torna quase impossível descobrir a certa.

Bem, dentro de tudo que pude pesquisar, dentro do que minha intuição buscava, encontrei muitas vertentes, mas não me cabe resolver o enigma. Só acalmar minha alma com alguns resultados interessantes, ou perturbá-la ainda mais; o que era na verdade a intenção, mas disso eu não sabia.


Santa Teresa de Ávila (a ébria de Deus, como é chamada) era epilética, fiquei pasma!


Você sabe das visões que ela teve, no meio de seus “delírios” como a de um anjo transpassando seu coração com uma flecha, mostrando nesse momento que deveria sair de sua omissão e começar sua missão!

Foi a partir de então que realmente incorporou a mulher “santa”, fez seus votos de pobreza e correu Espanha afora, erguendo mosteiros em nome da nova ordem que criara,(Carmelitas Descalças) seguindo os desígnios de Jesus, sim, das longas conversas que ambos tiveram, segundo ela... Amor, escrever “segundo ela” já mostra a mim, minha indagação quanto a este mito....
A pergunta é; existem seres tão sensíveis quanto ela, que de tal iluminação, encontram seu verdadeiro caminho, sua “Grande Obra’ através de ataques que nessa divagação nada mais são que outro nome para big-bang, metanóia, iluminação, individuação?
Ou será que a dor advinda desses ataques, os deixa realmente loucos, e como tábua de salvação encontram (são encontrados) por uma força intensa do inconsciente, que os foca em algo de muito grande, transformando assim essa loucura em algo realmente edificante?

Ora, se acima não escrevi a mesma coisa de maneiras diferentes!

-Perdão Santa Teresa, se já te amava, agora então....

Ordinário


As coisas ordinárias sempre me pareceram ordinárias, chamo de ordinário, as coisas comuns, como uma gaveta arrumada, uma mulher só bonita, um homem machista, TV ligada durante o dia, fazer o mesmo todo dia, rir de uma piada besta pra agradar o locutor, adorar uma tragédia, usar roupas da moda, trabalhar o dia todo e não ficar rico nunca. Ah...Mas são tantas coisas ordinárias nessa vida que muitas vezes me pergunto o que estou fazendo por aqui. Fazer supermercado e olhar os precinhos de cada produto me causa ânsia., não porque eu possa comprar tudo, porque não posso, mas causa. Almoçar no mesmo horário e temperar uma salada me desespera, ter que arrumar a cama, pegar ônibus, por pijama. E guarda-chuva então. Não há nada que me irrite mais que pessoas que têm o costume de usar guarda-chuva. Tomar chuva é tão bom, não é ordinário. Ordinário é ler “o segredo” e achar que agora a vida vai mudar. Ordinário é reclamar de todo mundo, quando a gente que tem que mudar. Ordinário é sonhar e não buscar, é amar e não roubar um beijo, é viver na laje da vida e nunca saltar. Ordinário é não chegar no mar, por nojo da areia, é não acreditar em saci nem em sereia, é rir da desgraça alheia. Ordinário é seguir o rebanho, ficar em fila de banco, nunca ter dado barraco na rua, ordinário é fazer deposito na reza, é palitar os dentes na mesa, ordinário é não saber amar como se deve, nunca cometer loucuras obscenas, ordinário é ser sempre platéia. Ordinário é ficar velho sem ter histórias pra contar, não meia dúzia, mas centenas, porque a vida só não é ordinária, quando a gente fala o que pensa, e isso causa tanta fúria por aí, que ah, como vale a pena...

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Beijo

Me chamaram pra um lugar,
Que tem gosto de beijo na boca
Ali não hei de entrar,não hei de estar
Se não for pra ficar louca.

Me chamaram prum lugar
Que lembra vinho e risada
Lembra aquilo que fui
Quando estava fora da estrada

E agora não sei se vou,
Esse lugar é tudo que eu era,
E agora já não sou,
O problema é que o gosto do beijo ficou...

Então tô assim, assim
Pensando em me dar asa,
E esquecer que a boca beija,
Ou deixar a boca em casa.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Fofoletes Assassinas



Eu colecionava fofoletes
vinham em caixas como fósforos
um dia, esfreguei aquele gorrinho
com o pomponzinho
do lado da linda caixinha
fofolete pegou fogo
eu joguei numa valeta,
o esgoto ignorou

Rio de Janeiro incendiou
fofoletes, quem diria
pequenas assassinas
com pompons tão delicados
mataram todos cariocas
fizeram dos milhos, pipocas
da minha infância; paçoca
fofoletes são culpadas
desta vida adulterada
desse peixe sanguinário
desse marte em sagitário...

quarta-feira, 16 de maio de 2007

A Lenda do Amor do Mar



Quando uma jovem dormia na beira de um rio,
Acordou com o som de um galope
Um galope de um ciclope que passou por ela e nem viu
Esmagou sua cabeça na beira do rio.
O caldo de seu cérebro se misturou com as águas azuis,
Um único neurônio se salvou e como um pequeno girino nadou.
Chegou no oceano já como uma serpente azul,
Netuno ao ouvir a notícia ordenou que a trouxessem.
Nenhum tritão foi capaz de tal proeza, a serpente era invencível.
E ao perceber-se perseguida, gritou aos sete mares:
-Não temam, sou invencível porém não lhes quero mal.
Netuno não contente bramiu:
-E quem pariu um monstro assim tão virtuoso?
-A Pata de um ciclope foi meu pai, minha mãe uma mulher que sonhava, eu sou o sonho,
que sobreviveu.
-Com que sonhava sua falecida mãe?
-Sonhava que encontrava um grande amor entre as águas do oceano...

Assim, a serpente azul, nadou por todo mar, e por onde passou, espalhou o amor que sua mãe sonhou...



terça-feira, 15 de maio de 2007

Fragmentos Da Menina da Lancheirinha


Óleo (A Noite)

Óleo é uma cidade muito pequena do interior de São Paulo, ali, perto de Avaré.

Fiquei muito feliz quando vi que o Óleo, estava no mapa do Estado. Eu sempre amei e ainda amo viajar pelos mapas.
Ali nasceu minha mãe, foi em uma fazenda das redondezas que minha avó foi criada, foi no Óleo que depois de Casados meus avós foram morar. Ali nasceram todos os filhos.

“ Avó usa grampo.
Avô usa chapéu.
Avós voltam pro grampo.
O feminino é sempre plural.”

A casa do Óleo, ficava na rua principal, ao lado da antiga “venda” da minha vó, nessa época apenas um enorme galpão fechado com prateleiras velhas e alguns objetos esquecidos que eu gostava de descobrir.


Eu não entrava ali sempre, era escuro e as paredes que falavam comigo choravam muitas lembranças, eram poucos momentos com cheiro de mofo e esquecimento..
A venda tinha uma pequena porta “nessa época sempre trancada” que dava exatamente na sala da casa que posso
chamar de “coração”.

(Amor, aquela casa foi e ainda é , embora tenha sido vendida, embora nem saiba se ainda está de pé o coração da minha
infância.)

Não tinha quintal na frente, só uma enorme varanda com cadeiras de madeira onde minha vó passava horas conversando com suas velhas e inseparáveis amigas, Dona Luzia e Dona Maria, que sempre choravam quando íamos embora.


Ainda vejo a cena de dentro do carro partindo. Olhava pela “janela de dar tchau” e via as duas velhinhas em pé acenando e chorando. Enquanto iam diminuindo, sentia a pele quente da minha vó, ao meu lado, mas não olhava pra ela, não queria ver suas lágrimas.

A varanda tanto levava para a sala enorme quanto ao jardim lateral onde minha vó cuidava de suas roseiras, havia muitas rosas, outras flores também, mas só lembro das rosas, minha vó cuidava mais das rosas, e eu só cuidei de lembrar delas..

Fragmentos da Menininha da Lancheirinha


O Zé Catraca



Foi também no quintal que presenciei outra cena terrível.
Dessa vez eu estava só, estava no quintal de cima, um quintal acima do pomar, que ficava do outro lado do “jardim das rosas”

Nessa época Amor, na casinha branca do pomar, morava um casal de caseiros, eram velhos, mal os via, depois percebi que não eram de fato caseiros, moravam ali numa casa minúscula por caridade da minha vó.

Esse casal tinha um filho conhecido como “Zé Catraca” . Eu tinha muito medo dele; tinha um rosto cavernoso e parecia um personagem de algum filme de David Linch, aqueles do mal.

Sua pele era de um tom cinza-esverdeado, tinha um cabelo sempre oleoso e cheirava mal,

sei que andava pelas ruas e que não trabalhava, quando não estava bêbado, também estava, acho que nunca ouvi sua voz, só via seus vultos sempre escuros vagando pelo pomar.

Na casinha minúscula que os velhinhos moravam não tinha lugar para ele, então minha vó o acomodou numa espécie de porão, que na verdade estava abaixo da casa e só tinha uma entrada pelo quintal.

Era uma espécie de caverna, tinha uma entrada, mas não tinha porta. Nesse lugar, pensava que além daquele homem, também moravam outros monstros, eu olhava para o buraco e sempre tentava me desviar, mas claro que eu ansiava o momento de entrar e ver o que havia de fato por lá.

A sintonia, que agora entendo é que a cena terrível se deu no mesmo dia que entrei pela primeira vez naquela caverna assombrada.
Resolvi entrar e levei comigo a sensação de "euforia que o medo traz” estava em pânico e apaixonada pelo instante.

Sorrateira e sozinha, cuidei para que o homem cinza-esverdeado não estivesse por perto e fui...
Era escuro, não tão grande, olhei tudo em um segundo, vi um colchão listrado, um “trabissero” sem fronha, umas garrafas vazias (de pinga certamente) e roupas jogadas por todo lugar, um instante de divagação passou por mim...
”Como alguém podia viver assim?” “A mãe não cuidava dele?” “Porquê será que ele era assim?”

Saí sem ver monstro algum. Os monstros sei agora que estavam dentro de mim, aquele buraco era apenas um botão que acionava essa sensação. Mas naquela época minha fantasia não me deixava questionar a existência dessas e outras criaturas

Foi logo depois que aconteceu...

Entrando ali e profanando o habitat do monstro real , achei que de alguma forma o chamei.
E assim, no quintal de cima, onde estava perdida em meus questionamentos , foi que ele apareceu, em carne e osso, o “Zé Catraca”.

Apareceu por trás de mim, pensei que fosse me pegar, mas não. De repente olhei pra ele e vi que estava tremendo, tremendo mais e mais, até que caiu no chão, onde continuou e se contorcer, emitia sons guturais, seus olhos giravam sem destino, eu fiquei congelada, acompanhando a cena, quadro a quadro:

Foi o monstro se revelando finalmente, por um minuto pensei que ele estava se transformando, logo me engoliria, esse pensamento me tirou do papel de espectadora e me levou ao de vítima, como vítima, fugi desenfreada, pulei o portão e subi a rua até chegar à casa da prima da minha mãe, onde sabia que todos estavam.

Cheguei e contei, devo ter contado assim:
-Mãe!- o Zé do porão ta lá caído no quintal, ta se revirando, vem depressa ver!
Foram, mas já o tinham socorrido, me explicaram que teve um ataque epilético, eu não sabia o que era isso, mas enfim, não era sobrenatural.


Fiquei de mal com a fantasia. Mas só por alguns dias...

sábado, 12 de maio de 2007

Uma Vida Pequena


Existem coisas especiais, dessas que causam ao mesmo tempo medo e fascínio. Desde menina me atenho muito a essas coisas, seres e sensações. São os presentes da fantasia postos aqui, neste mundo que é o que nos parece real.
Entre essas coisas que chamo especiais, havia os seres protagonistas, ainda há, não nego; são os anões.
Eu não podia ver um anão na rua que cutucava minha mãe e apontava com aflição e euforia. Ela bronqueava. “Não é certo fazer cena, diante de pessoas assim”. Mas era inevitável, e fiz, durante toda minha infância.
Com 19 anos tomei orgulhosa, cargo do meu primeiro emprego. Uma grande editora; eu era desenhista de uma revista infantil, o personagem principal era um palhacinho. O palhacinho criava vida no setor de promoções. Havia uma fantasia perfeita, quem a vestia era um anão.
Não me senti à vontade com isso, o anão não gostava de mim, isso nunca foi falado, mas eu sabia, aos poucos percebi que não gostava de ninguém.
Aparecia de vez em quando em nossa sala sem fantasia e por mais que eu tentasse, não conseguia desviar meu olhar do pequenino, usava roupas de menino, sapatinhos ortopédicos, e suspensórios permanentes, nunca o vi de outro jeito.
Eu sabia que ele estava perfeitamente ciente do que eu sentia, pois sua metade fantástica outorgava ao pequeno ser, além da forma, o conteúdo, e este eu sabia....Estava a par de tudo.
Um dia cheguei atrasada, o elevador demorou, subi correndo as escadas,e ali entre um andar e outro, vi caído o anão.
Nem sei o que senti, ficaria aflita se fosse uma pessoa como eu, mas sendo o anão fiquei estática sem ação. Não sei o que foi, houve ali uma dessas sensações mágicas que relatei antes, que misturam medo e euforia, sei que o anão caído com seus suspensórios encardidos, pediu meu colo e o peguei, não era tão leve como pensava, desci com ele pelas escadas vazias. Cheguei à recepção e gritei pra telefonista chamar uma ambulância.
Chegou quando um tumulto já estava à porta do prédio. Levaram-no às pressas. Soubemos depois de algumas horas que tivera um enfarto, não morrera por um triz, fui eleita heroína. Não sei se me orgulhei.
O anão jamais voltou, estava cansado e fraco pra vestir a fantasia pesada. Em seu lugar veio um menino, simplesmente um menino. Ele andava pela sala, com roupinhas da moda se sentindo o tal porque era um semi-ator. Algumas vezes vinha em minha mesa e dizia que eu desenhava mal. Eu o ignorava, e quando aparecia desviava meu olhar.
Um dia veio a notícia; o anãozinho morreu. Parece que a esposa ligou e avisou o local do velório.
Da empresa fomos uns três, eu tive que ir pra ver o anão. Sei não ser direito pensar isso, mas ver um anão morto era pra minha mente torta, aventura sem igual.
Lá entre dez pessoas, fui muito bem recebida por uma linda mulher. Uma mulher como outra qualquer. Era a esposa do anão e em cada uma das mãos segurava diminutas mãozinhas de um casal de anõezinhos. Nesse dia imaginei muitas coisas; imaginar os dois na cama foi inevitável.
Antes de me despedir quis pegar as crianças no colo, dois anõezinhos em botão, mal sabiam todos dissabores que lhes reservava a vida. A vida de ser anão.

Isso aconteceu há 20 anos, hoje Pedro e Clara são grandes amigos, desde a morte de seu pai não consegui me desgrudar deles. Me chamam de heroína, e outro dia voltei pra casa com uma sensação “daquelas”.
Pedro, 16 anos mais novo e setenta centímetros mais baixo, me deu uma cantada.
Fiquei um pouco decepcionada, esperava isso de Clara....


quinta-feira, 10 de maio de 2007


(Fragmentos da "Menina da Lancheirinha") O Terrorista

Lembro de minha vó e mamãe exclamando “Meu Deus”!
-As balas passaram quase na cabeça das crianças!
Claro que comecei a perguntar, afinal agora já havia uma história a ser explorada:
-O que é terrorista?
-Em que posição ele caiu?
-Tem sangue na calçada?
-Porquê fizeram isso?
As respostas vieram de maneira bastante didática. Me falaram que terroristas eram homens que lutavam contra o governo.

(Amor, não se esqueça que estávamos em 69, 70, época do regime militar, e como nosso mais alto mandante, o General Emilio Garrastazu Médice. Seu governo foi considerado o mais repressivo do período, conhecido como “ anos de chumbo “. A repressão à luta armada crescia e uma severa política de censura havia sido colocada em ação. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, e outras formas de expressão artística foram censuradas. Muitos, políticos,
músicos, artistas e escritores foram investigados, presos, mortos, torturados ou exilados. Foi nessa época que criou-se o Doi-codi (Destacamento de Operações e Informações ao Centro de Operações de Defesa Interna)



Na época e da maneira como foi contada me pareceu assim:
-Nada, menininha- o mocinho matou o bandido.
Eu não sabia dessas coisas de ditadura, nem grupos “extremistas” que se formaram para combater esse regime destruidor de almas e suas expressões “não convencionais



Quando soube de tudo, desde o golpe de 64, um ano antes no meu nascimento até o AI-5, já no regime Geisel em 78, e junto a isso, tudo que esses anos representaram para os “não comuns”, me senti meio enganada.

Como meu pai, carregando tantos genes “anarquistas” não fez nada contra tantas crueldades? Como pôde achar normal um terrorista morrer, como pôde chamar um homem com um ideal de terrorista?


Não é cabido julgar, esse foi um padrão dele, foi o instinto de proteção por tudo que lhe foi contado, e pelas seqüelas destes danos que a infância deixa.
Penso em meu avô, e como ele talvez quisesse compensar todo sofrimento, não só dele mesmo mas de toda família deixada para traz, cuidando como um militar do seu novo rebanho que nascia num Novo Mundo.
Hoje entendo ainda mais a grandeza do meu pai, que mesmo tendo tantas células “esquerdistas” colocou-as adormecidas para, assim como meu avô também nos poupar. E poupou.
Só entendi o que realmente aconteceu nos bastidores do planalto, no momento da minha infância, muito tempo depois.
E não foi através da escola também “ditatoresca’ que cria as histórias assim como convém seu sustento. Mas em filmes, livros, músicas, fatos e relatos de pessoas que conheci.


E foi através dessas histórias e seus personagens, banidos do País. banidos de si mesmo, ao cortarem caules verdes que brotavam de suas almas, que entendi que a história sempre se repete, até o dia afinal, que possa ocorrer uma explosão tal qual houve em minha própria vida, mas isso não há de ser nem é possível; a explosão real de todos no mesmo segundo.
O que podemos fazer é acelerar esse processo para ajudar quem vem depois. Pois o mundo é ao mesmo tempo um palco atroz e fascinante.

(E penso que é exatamente graças a este cenário engendrado tão torto, por genial artimanha de algum poder invisível, que cada ser humano carrega um imenso potencial de se perceber, e se enxergar , porque a partir desse instante tudo que você quer Amor, é o crescimento constante de cada um de seus semelhantes.)

E a vida com seus sofrimentos, misérias, doenças, guerras e preconceitos de todas as qualidades, é afinal um caderno escancarado com todos os ensinamentos. Alguns lêem primeiro, outros demoram um pouco mais, alguns são “analfabetos”, outros eternos penitentes, mas se cada um que já o leu, estender a mão para outro alguém, haverá por certo um processo mais acelerado. E quem sabe um dia, um mundo mais sensato.




quarta-feira, 9 de maio de 2007

Insônia



Longo dia de insônia
O pescoço tenta sustentar a cabeça
A cabeça pende, nada além do vazio
Um branco absoluto, e esse medo, esse frio

Se na noite insone não dormimos
No dia insone não acordamos
É um dia catatônico, sem luz
Sombras alheias nos conduz

Longo dia sem despertar
Mente sem abecedário
Corpo ausente, sem lugar
Surdez de peixe no aquário

(Vivian G.)

Hemorragia


Cortei profundo um pedaço da minha pele.
O sangue aprisionado em mim, fez esse pedido.
Antes expulsei do corpo qualquer fibrina; plaquetas, leucócitos e hamáceas.
Perigosos armistícios coaguladores poderiam ser engendrados agora.
O sangue tinha que vir..
Quando senti o sangue escorrendo, chamei todos meus sentidos.

Cada um explicou como via esse movimento.

A Visão muito objetiva, disse racionalmente:

“A visão que tive no primeiro instante do esparramar do sangue é que ele era de um vermelho brilhante. A visão que tive momentos depois foi de uma outra cor escura misturando-se ao vermelho.Meu olhar final, constatou a total ausência do vermelho,
já não era mais sangue enfim. Era só um liquido pesado, cor de nanquim.

O Olfato foi o segundo:

“O que senti no primeiro momento foi um aroma de sangue natural, um aroma forte e vivo.
No momento seguinte senti cheiro de água estagnada, um cheiro dividido entre o acre e o doce. Senti por fim, um cheiro de algo putrificado, um cheiro de incineração, de água parada, o aroma do sangue se esvaiu, ficou somente o cheiro podre de um rio.

O Paladar veio em seguida:

“Quando o sangue começou a jorrar, coloquei meu palato ali, senti um gosto seleto, de sangue fresco e correto.No instante da segunda degustação, senti um gosto de fel, aos poucos se misturando. Quando já muito enjoado, tentei provar mais sereno, o que senti foi um gosto de veneno”

A Audição mais sensível, expôs sua tese baseada em sons invisíveis só inteligíveis por ela:

“À primeira explosão do sangue, ouvi gritos aliviados, percebi a velocidade, porque ouvi a agitação. O segunda murmúrio que ouvi foi de imenso pesar, ouvi choros e lamentos conformados.O que ouvi ao final eram berros e sons de desespero, de despejo, de fúnebre cortejo.

Não entendi tanta erudição, esqueci o “tato” e chamei meu melhor sentido; a Intuição.

Ela explicou assim:

“O corte eu mesma fiz, ele era o passaporte...”.
O sangue que veio primeiro foi seu sangue saudável, porém já corrompido pelas células negras, implantadas em você por “algo desconhecido”
As células estavam pelo corpo todo, quando as obriguei a entrar na corrente sangüínea, se sentiram ultrajadas, mas foram sem muita luta, eram aquelas mais fracas.
As que estavam em sua mente e em seu coração, estavam em total apego, gritavam desesperadas , tive que arranca-las à faca, fugiram todas decepadas por suas veias,
e estão agora, do lado de lá.”

A intuição foi até a geladeira e me trouxe um suco de laranja.
Beba isso todos os dias, um novo sangue está brotando.

Olhei para meu corte: coagulando...


domingo, 6 de maio de 2007

Sou Água (poesias)


Sou Água

E sendo água, sou tudo e nada.
Oceano que ameaça o planeta.
Rio que leva embarcações,
transporto sobre mim, cartas, pessoas, esperanças...
Repousam em meu leito, espíritos de afogados que formam ali seu clã.
Assim me transformo em inferno e paraíso.
Morte e vida.
Sou vida, quando sou chuva,
Mato nas tempestades,
Salvo quem morre de sede,
Mato quando “explodo” as barreiras, que prendem: Eu Represa.

Sou Água
A Lagoa das lavadeiras
O Esgoto de imundos dejetos
Sou passiva, sou nociva,
Necessária, corrompida,
Todos têm muito de mim...
Ninguém tem tudo que sou.

Sendo água não sou porto,
Eu nenhum lugar me encontro
Se me prendem, evaporo...
Se me soltam, seco e morro.

Mas renasço em cada lágrima,
De dor, de alegria,
Acolho ecossistemas, escrevem coisas sobre mim,
Contemplam minha beleza, me execram, amaldiçoam...
E assim eu venho e vou
Subo, desço,
Mato e salvo,
E nunca Sou.

Porque sou Água.